sábado, 18 de julho de 2009

LIÇÃO DE VIDA

Não é certo que se diga “aprender a sobreviver”. Simplesmente não.

Estive perdido, passei por um regato onde molhei meus dois pés, deparei-me com um belo urso polar. Não há nada de tropical nesses calafrios. Virando a esquina da mata já não é mais 9 de julho, o regato se transforma em um riacho, um rio pedregoso e sem dengo.

Tudo é perigo. Meus amigos são todos salmões e pulamos como golfinhos rio acima. À exceção daquele primeiro urso, todos os demais colocam as patas na água, entram até a barriga sem se molhar lá de dentro das roupas fly-fishing. Deve ter fugido das aulas na Foquinha.

Subimos obstinados, de laranja, dando pulos de tanto frio que sentimos nessas águas, queremos chegar ao topo do mundo e passamos para isso entre dentes menos afiados que famintos. Ao fundo, ao alto, o sol e o calor.

Subimos obstinados mas ainda assim com baixas no pelotão. Aquele que não entra n’água é gigante e no auge de nosso desespero nos prende com os dentes, é o fim, espatifaremos entre eles. Mas, com a delicadeza e presteza de um labrador, os dentes nos apertam a carne apenas o suficiente para que não caiamos, então em um brusco movimento da cabeça somos arremessados ao alto da colina, salvos.

Movimento tão brusco que chegamos ao pico e mais, o impulso ainda nos derruba ao lado de lá, uma catarata de água quente que enche uma antiga bolsa térmica de borracha. Impotentes, somos levados pelo fluxo, nos olhamos sentindo mais postas que peixes, e o pior, cozidos.

Se tudo parecia sinistro, finito, terminal, o choque que traz a queda só confirma. O choque vem em todos os sentidos, trocamos o som das corredeiras e urros e grunhidos da floresta e assobio do vento no vôo por um tranqüilizador subaquático. Das duas uma, chegamos ou onde queríamos, ou chegou para todos a morte no escuro e na falta de toque.

No entanto algo já é melhor, temos águas mais quentes. Porém antes de cair aqui dentro dei-me conta da bolsa térmica antiga, também como nós laranja, e todos sabemos que essa borracha não segura o calor por tanto tempo. Estamos em contagem regressiva para o congelamento final.

Aproveito as primeiras pedras de gelo que se formam para meu copo longo, drink preferido da noite com receita.

Ingredientes:
• Gelo em cubos bem gelados;
• Vodka, de preferência Stolichnaya;
• Copo longo; e
• Guardanapo de papel.

Modo de preparo:
Encha o copo longo com pedras de gelo bem geladas, até passar um pouco da boca. Complete com Stolichnaya, naturalmente os cubos cederão um pouco e caberão dentro do copo, independente da sua vontade. Abrace o copo com um guardanapo de papel e prenda-o com uma torcidinha no estilo gravata borboleta para proteger as mãos do frio.

Como dentro da bolsa não há guardanapos de papel que resistam, seguro direto no copo. E como o gelo é muito puro, é também muito gelado, gela meus dedos e por capilaridade me gelam até o núcleo, até o coração. Preciso aquecê-lo e montar armadilhas. É a forma mais cruel de matar um ser vivo inocente, mas a sobrevivência é lei irrevogável da natureza. Azar das lebres que não aprendem a viver.

Repleta de lebres, Augustas Kellys Agathas Arielles. Estão lá porque gostam ou porque não aprenderam a sobreviver?

Pouco importa. Na luta por sobrevivência sou o oposto de altruísta e desço com o fluxo de vodka pura nas veias, o mesmo fluxo da enxurrada. Preciso escolher a minha de uma dessas vitrines. Se não fossem lebres, iria direto à toca do coelho comer uma galinha e conhecer uma vaca, mas por aqui só há porcas.

Olhando esse catálogo de prostitutas percebo que todo o layout é muito feio e que sou moralista, sou contra, vá ganhar dinheiro de outra forma. Empresários do submundo, yuppies mimadinhos com suas grandes fivelas de rodeio e nenhum respeito.
Normalmente de mundos separados, essas prostitutas do horário comercial se misturam a dois de tempos pueris. Um provoca o outro. Um apalpa o outro. Um se rebela. Um se contrai. Um se compadece. Um abraça. Um retribui. Um, finalmente, pergunta “dorme comigo?”.

Sou aqui o correspondente à adrenalina da surpresa. Emoções inviáveis, sempre ditas e desacreditadas, ditas só pelo absurdo que seriam se fossem verdades, não eram nada oníricas, apenas absurdas e agora realidade. Um sim, mas dois?

Um ficou no aposento. Um saiu. Um voltou, ambos nus, sabres de luz, prontos para a esgrima final. E perto do primeiro touché, um diz “jamais pense em me tocar, por tudo que me sabe, por tudo que nem sei, jamais pense em me tocar. Isso é apenas uma tentativa de lhe ensinar a viver. Fez bem e não o quero nunca mais ver, mas precisa aprender a viver, precisa aprender a viver e precisa aprender que nem sempre estarão com você. E lembre-se, não se ensina a sobreviver já que basta um segundo para qualquer um de nós morrer. E aí, meu amigo, o que tiver aprendido será em vão”.

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