domingo, 12 de julho de 2009

A INTRIGA QUE NOS LEVOU POLLY

E o Senado? E essa história de esconderem as pastas de processos lá no alto? Um poço às avessas, cordas de sisal para trazer de minúsculas infinitas portinhas os documentos a que se pretende dar vista.

Pretende.

Se não tem um milhão de portinholas, são três. Acesso público inegável. E negável.

No entanto não afeiçoa o sonhador a desistência, portanto em busca de falcatruas eis se não um milhão de oportunidades, três. Abre-te, sésamo, e sairão cobras e lagartos de onde for. Vocês, investigadores criminais forenses, não teriam tantos sacos para recolher e preservar evidências. No caso do Senado, provas. Fora elas, não devemos preservar ninguém.

O sisal me queima as palmas com o peso do que trás. Atrás ou abaixo de uma tampa preta e nenhum pó, três pares de pastas idênticas, na verdade uma pasta azul clarinho e um envelope pardo, três desse par. Em todos, o mesmo conteúdo – acusações graves e fundamentadas com provas fotográficas aparentemente irrefutáveis, mas carimbadas por alguém de muita tarimba que justificou “esse material pode ou não ser fruto de manipulação, precisamos defender a estatura da casa que só cairá com fotos italianas”.

Concluí “quanto mais alta, maior as paredes”.

Que pista! Entrei num táxi amarelo limão, cor de ameixa, dizendo antes mesmo de colocar o pé direito para dentro “siga meus pensamentos! Pé em deus e fé na tábua.” Estamos no meio de uma trama fedorenta, tanto quanto o pior Burguess, A Última Missão, sem comilanças.

“A parede mais alta que tenho conhecimento, há de ser aqui”. O motorista me entregou uma nota de 45 e disse “fique com o troco”, ao que retruquei “mas toda corrida em Brasília custa 50”, e ele, sem corar, ficou me devendo 5.

Belo e lustroso, ilustríssimo apartamento.

Aqui no cerrado, quando se ouve um ronco assim é de alguém que sofre com a secura dos ares. Ou um pug. Entrei pela porta e saí pela janela, somente para ver as coisas sob outro ponto de vista. Flutuei por ali somente o tempo necessário para saborear um frappé de coco. Quando entrei de volta, já havia concluído [o frappé, pois o mistério ainda era de todo turvo a meus olhos. Limpei os óculos para ficar mais claro].

Bem, mas se esse ronco vem da cama com travesseiros e edredom de plumas de ganso, só pode ser o pug. Seres humanos não se interessam muito por gansos, na média. E os cães, esses são os melhores amigos do homem.

Mas não é ser amigo, é ser humano.

Agarro o pug chauvinista e o faço refém até que seu dono, juiz pontudo, chegue em casa para questioná-lo que história de fotos italianas é essa. Peço à cozinheira que me prepare na chapa um pão francês com manteiga. Há lugares nos quais se chama pão francês de cacetinho. Quando vou pra algum deles, levo pães de forma para não me exaurir.

Na França, somente pão. Pain [au chocolat?].

Chega o pontudo, e sem dar-se conta do motivo de minha presença e sem ainda perceber que estou com o pug para ameaçá-lo, me acusa com razão de comer seu último pão. “Meu cacetinho!”, diz.

Panaca, entregou-se. Agora que já sei de onde é, ou pelo menos uma lista dos locais de onde possa ser, atiro-lhe com cuidado o pug, pois segura o pote de manteiga, e corro em direção ao ponto de ônibus mais bonito de que se tem notícia.

Aqui já é São Paulo e está frio, sinto-me em casa. Mas o que aconteceu? Cadê a relva que recobria todo esse ponto? Agora é tanto não o mais belo que é quase somente ponto, perdendo o de ônibus. A cidade grande nos engole e a beleza à qual não estamos mais acostumados.

Como em qualquer trabalho profissional de investigação, fico por ali em estado de vigília. A qualquer momento, movimento, a solução. Vejo o sinal do McDonald’s do outro lado da avenida e sinto fome, mas há uma lista de impedimentos:

- estou na espreita;
- o restaurante tem muita fila;
- a comida não é nada saudável, me faz passar mal; e
- começa a chover granizo.

Cai granizo do céu como se fosse granito do tipo mais violento. Corre para o abrigo do ponto um show de vizinha que não poderia nunca ser minha, pois podem até ser amigos, mas no edifício onde moro é impossível algum deles ser humano. Loira, camiseta branca molhada e só, saída há três meses de um filme erótico, softporn. Alta como a parede! Só vejo até pouco acima de seu queixo, os lábios oblíquos dizem “precisamos embarcar”.

Por quanto a fiquei olhando, a rua, não, a avenida se encheu com toda a violência daquele granizo e resolveu ir embora, dando lugar a um oceano tão frio quanto só os pólos poderiam suportar. Entendi o capitão dizer algo em russo como действий переместился в Румынию, после чего в стране произошёл, que interpretei “apressem-se”.

Foi o que fizemos, fomos à cabine e tomamos banho com os gansos. Apesar de nenhum deles ser humano, sabiam o que é ser amigo. E têm um ótimo senso de distância! Disseram que estávamos a 133 milhas da rota original, e nosso navio não tinha vapor suficiente para chegar ao ponto do ouro. A não ser que fumássemos muitos charutos.

Os piratas do gelo estavam próximos de ficar com todo o ouro.

Se de Brasília vim parar no Ártico, é melhor que fume esses cubanos e não perca a viagem. Estou na cola dessa pista há muito tempo. Fomos os dois, a loira e eu, para o american bar do navio russo e começamos a fumar.

Porém perdemos quando ela, como um Cohen, perguntou que tipo de espelunca não teria amendoins no balcão, e cedeu então a seu próprio Feffer interior, dizendo que jamais os comeria, também.

Por mais que tentasse, a partir daquela noite Polly nunca mais seria a mesma.

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