sexta-feira, 17 de julho de 2009

ELEVADOR VAZIO

Oito órfãos em menos casas. Órfãos e avós, pode?

Encontram-se todos ao redor de uma mesa. Apesar de julho, a tarde é agradável. Não, a tarde é morna, nem frio nem calor, mas é desagradável por questões que escapam à meteorologia. Mas o clima, falando de tempo, deve ter se preocupado em trazer o quente para compensar o frio dos oito e muitos mais.

Climatizada está a sala da mesa, na qual adentro, por tristeza e comedimento. Ouço uma missa que quero acreditar sonhar. Todos fazem sinal da cruz enquanto cruzo os dedos das mãos dentro dos bolsos.

De repente, de repente, tudo é diferente, sem volta. Pessoas se confundem. Estamos norte-americanos post-mortem, e como são elegantes nessa hora, no entanto tem disposição todos à comida. À minha volta, a iguaria mais apreciada é um abacaxi com brie, bem loirinho e espetado. Todas as coroas são feitas disso, enormes.

Personagem arrogante em meu próprio sonho, vem e me diz “atravessaria a rua se te visse em minha direção na mesma calçada, assim todo de preto”. Ora, companheiro, estamos fúnebres, luto para respeitar o luto, mas desfiro uma escarrada mesmo, sendo até esse meu gesto mais apropriado que o de meu interlocutor, mais aceitável e convencional.

Vamos à marcha, seguramo-nos pelos braços e olhamos fixo a um ponto distante, fixos. Desço uma enorme ladeira que é um tobogã, chego exatamente ao abaixo do tobogã, por baixo dele, e tem uma piscina. Um técnico alemão grita “das kindergarten werk, das kindergarten werk”, ou “dobre levemente os braços, faça o S do Senna debaixo d’água, seu bostinha”. O pequeno alemão molhado não gosta. Estou sentado na beirada, com os pés dentro como o bebum entalado no bueiro.

O pequeno alemão molhado não gosta.

Me cospe de volta o cuspe de outrora, mas agora por entre dentes afastados e apenas água clorada. Que mal há? Olhar assassino, rebelde, olhar de fazer história e temeridade.

Do ângulo que estou, consigo ver um cavanhaque aberto e poucos dentes lá dentro, gastos e cortados em quatro, todos os poucos, para ficar mais fácil puxar. Não demoraram nada a aparecer, nada nada, dentes. A pele e a mucosa brilham de cera, lisas e semiopacas.

Esse semibrilho aproxima, aproxima as pessoas, e à medida que se aproximam de mim me sufoco, não os nego nem quero, não os nego mas também não os quero. O brilho, semibrilho se aproxima e transforma-se numa careca reluzente em que dou um tapa médio / forte em respeito aos presentes.

“Ali faltam os cabelos brancos”.

E vou procurá-los dentro do automóvel, corro infinito até lá, a careca me persegue. Percebo que não será uma caçada com fim e sento no banco do motorista, não estão lá os cabelos.

Olhos fundos no alto de um carro gigante e pomposo, criança no banco de trás, aquele jovem não poderia se chamar algo que não fosse Paulo. Arremessa ao careca uma touca de silicone de natação, que me entrega. Visto, é bela, laranja translúcida, e me penduro por um braço apenas na coluna principal do veículo.

Toda a torcida chega ao estádio, me penduro com força de um braço, homem-aranha já sou.

Volto à piscina para não ser tão franzino, nado, nada, e no vestiário calço um pé de cada cor apenas para ficar a lembrança das brincadeiras do passado, e que não voltarão mais.

E se aquele taxista em Brasília ficou me devendo $5, era um prenúncio dessa memória cujo significante já não existe. Mas nunca me esquecerei das notas de cinco amassadas e surradas para dentro de meus bolsos ainda pequenos de bermuda de garoto.

Nem das bananas com tudo e qualquer coisa, nem do café. Essa nota foi gasta, e foi bem gasta.

Prenúncio? Há aqui muito ceticismo para crer que sonhos possam ser premonitórios.

Dos oito órfãos, não sei ao certo quem é certo de ter perdido uma pessoa sua de propriedade. Creio um ter certeza que não. Penso isso enquanto subo dentro de um elevador, sozinho. São oito andares mas paro no quinto sabendo que um dia hei de chegar ao topo do edifício, por mais difícil que isso seja.

- - - - - - - - - - - - -

Bye, welcome.

Estamos produtivos, humanidade, leia também o Excêntrico e a Cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário