segunda-feira, 23 de novembro de 2009

UM POUCO DE FÉ NA RAZÃO E O OPOSTO

Por mais que lhe doa eu admitir, não é algo de que me possa envergonhar, portanto confessaria se não considerasse tal verbete tão beato quanto nunca serei, Carola. Também não admito, pois lá no âmago admitir confere certa culpa em busca de absolvição, ao que nos resta não muito mais que discutir. Exponho e argumento, não me indisponho a lhe ouvir.

Ao fato: acreditar em deus é algo em que tenho grave dificuldade. E como disse, explico: não se escolhe acreditar ou não nas coisas, mas sim nos convencem disso ou do contrário – a vida é um grande exercício de persuasão. Quanto a acreditar ou não em alguém, isso é um exercício que tal pessoa nos faz. Eis que então assim, na sequência, concluo: deus nunca apareceu pra mim, e muito menos mo disse palavra. Portanto, reconcluo: se deus nem sequer palavra me proferiu, qual minha obrigação em acreditar? Em quê?

Não me disse nada, e é nisso que acredito.

Você, Carola, se me disser que saltou do edifício Itália sem guarda-chuva, ainda tenta me convencer de algo em que muito provavelmente não acreditarei, mas tenta. Quando minha própria mente me tenta convencer de que voltamos para casa de balão na noite anterior, tendo também a não acreditar, e olha que sou mesmo eu a tentar persuadir. Conclusão, mais uma: sou cético. Se não me der provas, nem em mim mesmo acredito.

Mas sou justo e tanto quanto: se sou difícil de acreditar, sou difícil de desacreditar. Não gosto de ideia de haver um mundo de pessoas enganadas, e umas poucas privilegiadas e acertadas. Acho mais fácil crer todas erradas, todas certas.

Se não me conseguiram convencer da existência de um deus, também não me conseguiram convencer de nada extremamente contrário. Prefiro acreditar que há certa razão nessa inconseqüente crença que habita milhões de corações e mentes do ocidente e do oriente e dos pólos, há fé na razão e razão na fé.

No meio de uma mata atlântica, uma montanha descia quando cruzei um tipo Hammet, cem por cento Kirk: cabelos longos e cacheados, ensebados, um bigodinho tão franzino quanto o corpo logo abaixo, um tipo de los muertos. Olhos perigosos sem ameaçar, um convite para segui-lo.

“Mas nem o conheço”, logo soltei. “Bem, não é como se precisasse me seguir, porque de fato não precisa, mas você pode, e lhe garanto que perder com isso não vai nada. Siga-me apenas se assim o que quiser, e nada importa se for por curiosidade e por curiosidade apenas, nada mais. Siga-me se quiser e parta assim que bem entender”.
A arte da persuasão bem executada, uma pitada de psicologia reversa me põe sempre a caminho de algo.

Segui-o de perto velozmente, e nessa parte se pode perceber bem certo que se trata de um sonho, pois mesmo o absurdo de estar na mata tendo sido relevado, a tal velocidade e destreza não passaríamos despercebidos. Que bom, sonho.
Com tamanha velocidade, não percorremos se não menos que alguns bons quilômetros até chegar a um abrigo todo enfeitado apesar de muitíssimo rudimentar. Pau-a-pique aqui soaria Lindenberg.

Em oposição à escassez de infra-estrutura, fartura extrema de agiação e alegria. Não consigo mais avistar o cabeludo que me conduzira até aqui, e enquanto o buscava com o olhar, fui apanhado pela mão por um menininho negro de bochechas redondas e feição amável, com olhar Sábio de ao menos cem anos, se não mais. Era Natal.

Algumas crianças entravam e saíam do lugar após brincar uma brincadeira de criança qualquer; saíam jovens adultos, satisfeitos e íntegros. A cada nova turma, a mesma brincadeira em tom de gincana do Xou da Xuxa, com brindes no final. Após uma rodada de corrida do saco, o negrinho me trouxe pela mão mais próximo de um armário onde todos entravam e escutei seu discurso: “toma, pegue cada um apenas um brinquedo, pois não são muitos deles mas são inúmeros de vocês, e todos têm o direito de ser tão felizes quantos os demais, portanto para cada um, um. Sei que são usados, um pouco velhos e gastos, mas lhes farão tão felizes quanto quem já os possuiu um dia, e tão mais felizes quanto satisfeitos estiveram aqueles que os doaram no momento da decisão. Lembrem-se desse dia e passem a mensagem adiante, mesmo que seja apenas passando um brinquedo adiante, se julgar que ela é digna de perpetuar-se, se julgar que algum bem lhe fez”.

Sua voz nos cercava sem ser alta, mas muito macia.
A mesma voz me comentava aquilo que não direi, mas que devem sentir por si mesmos de quando em vez ao pensar coisas desse tipo. Me contava e fazia rodar uma espiral de dentro para fora, de raio cada vez maior, de voltas cada vez mais longas, até que caí de novo em mim, num ambiente quase urbano de cidade rural. Um japonês caminhava até mim e cantava uma melodia que para vocês, por sorte, não conseguirei transmitir em palavras, pois é tão grudenta que sempre me recordarei apesar de sua absoluta inexistência materail:

“Eles são os donos
eu sou só o cobrador
eles são os donos
eu sou só o cobrador
os pássaros são assim porque ele quis
são assim os cães porque ele quis assim
eles são os donos...”

E assim se arrastava repetidamente sem soar monótono. O japonês estava cercado de pessoas dos mais diversos tipos. À medida que cantava, gesticulava fluidamente, organicamente, e apontava sua platéia quando dizia “eles são os donos”, e apontava os bichos à medida que os cantava também.

Minha cabeça era a câmera numa grua infinita e invisível, seguia o olhar que seria das pontas dos dedos do japonês, e ao mesmo tempo o via, grisalho e sereno, atento a mim.
Me perguntei se o tipo de los muertos, se o negrinho e se o japonês não seriam todos o mesmo. Tinha certeza que a platéia de todos não era a mesma. Essa éramos nós, e entre nós estão vocês, e esses todos somos os “eles” da canção. Somos também os elos do mundo.

Somos os donos e os deuses de nós mesmos e do nosso mundo, alguém dizia, e se ele é o cobrador, é aqui isso mesmo e nada mais do que nossa consciência nos cobrando um papel que é apenas nosso e não temos coragem de assumir por conta própria. Temos medo do que somos e preguiça de cuidar do que temos.

E será que os três eram o mesmo, e que os três me representavam deus? Será que deus veio a mim em sonho apenas para me dizer que não existe? Incrível poder de persuasão. Continuo o mesmo cético, mas ganhei outro relato onírico e muitos momentos de reflexão acerca de mim mesmo e de nós todos.

Me prove que existe, prove o que não existe, provas que não existem. Onde?


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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MERGULHOS EM PISCINAS

Como todo bom sonho que se preza, é começo e toca o telefone. Um irmão – que tem na verdade artigo definido – chama, “vamos à praia”. Vamos.

Pego a bicicleta, pedalo a bicicleta. No meio do caminho que parece a serra entre Cambury e Maresias, uma casa de avó, um primo e um ex-amigo e um xerife, que cachorro! Xerife me observa apreensivo, ao que me escuta a voz e abana o rabo violentamente de gangrena, lança-me uma lambida que me põe submerso em uma piscina viscosa, à beira do intransponível.

Luto para sair de dentro dessa montanha pegajosa. Escalo a montanha e pedalo minhas duas bicicletas até quase o cume. Jogo as duas bicicletas para o alto e me agarro à terra com os dedos em carne viva com a força de quem jazia vivo em uma cova, agarro-me como à minha própria vida e como se despencar essa montanha fosse cair de um desfiladeiro, como se fosse eutanásia, a morte certa e autodeterminada.

A subida tinha sido difícil, pedalava com toda a força até não ter mais. Me acompanhavam, enquanto consegui, dois ciclistas de speed, um cabeludo e um tatuado, mas ao que minhas pernas fraquejaram eles se distanciaram e sumiram da vista.

Suo muito e não estou mais melecado, babado. Molhado, no entanto, estou de suor. Então imagine que me arrastar por esse íngreme de terra criou lama, kiddo. Quando chego enfim ao topo sou pura lama, mas é casa com piscina e me jogo pra dentro dela.

Que desagradável surpresa, pulei dentro de uma piscina de lama movediça.

Ao que movo, me complico. Alguém cabeludo e de pernas lisas, sem pelos, defende na beirada o design representado ali. Percebo que do fundo da lama vem intensa luz cuja forma contorna a silhueta de uma sola de calçado esportivo. A luz varre em scan como a de uma fotocopiadora. Percebo também que o lado raso da piscina é oque tem muros mais altos, na verdade parece que a lama não se nivela, mas é íngreme, se não tanto quanto, mais que a subida da bicicleta.

O cabeludo de pernas lisas tem barba e não é o mesmo da bicicleta. Rememora algo indefinível e desagradável. Agora conta sobre quando um banco nacional muito poderoso fez oferta para se utilizar desse design tão genuinamente brasileiro e tão eficientemente executado. Não entendo como o banco poderia se apropriar disso para seu próprio proveito, mas mesmo assim folgo em saber que a tentativa foi frustrada.

Agora que entendo o funcionamento da piscina já não temo me afogar, pelo contrário, me divirto e passeio por ela, deixo a corrente me levar com a ciência de que sair leva apenas a energia de um salto. Salto ao ouvir um CD mono tocar.

Nesse meio tempo já estou na praia, e a piscina fica ao pé do morro. Subo enlameado os degraus, e no último já estou completamente limpo como se fosse recoberto de teflon. Tiro o disco o plugo um iPod qualquer, uma canção qualquer que não aquela, que não a sua nem de ninguém, meio cigana, soturna e rouca e boa. A dona do CD de antes pergunta sobre ele. Digo que não o toquei e que não o quero ouvir tocar nunca mais, ela cede e pede que ao menos o guarde em um porta-CD’s de vinil.

Enquanto guardo, ela me alcança uma toalha. Enquanto me seco, ela me conta uma história. “Sabe quando a toalha tem uns poucos porcento de material sintético e em vez de secar, parecem apenas espalhar a água pela superfície do corpo? Pois então, um gringo argentino inventou de esfregá-las sobre roupas para passar e ficou milionário: as toalhas perdem a plasticidade e passam a secar-nos com eficiência, assim como essa toalha faz com você, e as roupas ganham esse antiaderente que as torna à prova de queimaduras. Passe duas vezes e terá um traje antichamas.”

Impressionado, penso igualzinho o seu pensamento de outras vezes, “é uma ideia como essa que precisava ter, algo simples e que me rendesse a vida”. Tenho certeza de que só pensei, mas o irmão me consola como tivesse ouvido tudo, “por enquanto chega de delírios de maratona, é normal com tantos quilômetros de subidas e descidas, mas por enquanto descansa, um dia vai ter sua ideia, por enquanto descansa e dá um pulo na piscina. Vai te fazer bem.”

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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DECA PITAÇÕES

Se você lê um blog, certamente sabe o que é um hotel. Muito provavelmente já esteve hospedado em um, aliás. Hotéis me rememoram um tempo inexistente, de um Chelsea nunca dormido, de uma hospedagem tensa tanto quanto despreocupada, descompromisso essencial.

Em dias como os atuais, parte de tudo que preciso é descompromisso, afinal compromisso é palavra de ordem daquilo que já em perspectiva me incomodava, imagine com a famigerada tangibilização [argh e não ARG] compartilhada [argh, argh, treze vezes argh]. E a vida, hein, que loucura, que paradoxo de palavras e conceitos, compromisso absoluto e descompromisso extremo vivendo dentro do mesmo corpo, franzino corpo de poucos quilos, pequena morada de contradição que é o sal da vida.

Pois bem, cabe ainda um como gosto de estatísticas à la jornalismo esportivo da Rede Globo, e por isso comecei assim. É como “ele é o artilheiro do Sinop contra Emelec por jogos da Sulamericana disputados em campo neutro à tarde para cumprir tabela com público abaixo de cinco mil pessoas e renda insuficiente para pagar a conta de luz dos holofortes [sic]”. Será que 100% das pessoas que lêem um blog sabe o que é um hotel? Sem Gallup, arrisco que sim.

Nariz de cera incompreensível [?] mas não incoerente, aquele clima de piada interna lançado, identifique e desgoste ou não, vamos aos fatos.

Aos sonhos, quero dizer.

O clima. E esse nada tem a ver com meteorologia. Esse tem apenas um órgão solitário mas bem solícito e solicitado. Bem popular e não erudito, e com isso quero dizer cíclico, portanto repetitivo, e cujo ciclo simples é também curto e tanto quanto. Soturno e paranóico, espiralado para o centro.

A câmera. Diretores de Filme. O Diabo é diretor de filme. Somos de um tempo em que o Diabo é Diretor de Filme. Streep mostrou que o Diabo veste Prada segundo Weisberger, mas nem todo Diabo que assim se chama é Diretor de Filme. Sou e somos desse tempo, mas tenho mente e alma saudosos de um tempo imemorável e tão pretérito que nunca passado, que é romântico a ponto de chamar de Diretor de Filme gente que de tanto que entrou pra história nem parece mais gente. Sem nomes porque nesse nosso mundinho pertinente à constelação do Pequeno Príncipe tudo é clichê. E não pense que não considerei o fato de o Diabo pertencer a e memorar esse tempo passado e romântico de fato e muito mais que eu, o Diabo tem a idade do homem, e eu tenho a idade de um menino.

Matemática na notação: um parêntesis dentro do meu próprio colchete: o Diabo pertencer a um passado romântico – dicotomia?

A câmera. Primeira e não-pessoa alternando-se numa steadycam presa a um travelling movimentado por uma grua, muito fluida e livre. Entramos e saímos dessa primeira pessoa – que é a última a morrer – pelo fundo da cabeça e saímos pelos olhos. Dá pra entender que alterno entre personagem e câmera com a facilidade e a velocidade do pós-modernismo digital. Importante: fluida, muito fluida, e pra fugir do clichê do Diretor de Filme socialzinho, “fiz uma câmera muito inovadora, trêmula, desconfortável, para que o espectador se sinta dentro da cena, para que sinta a tensão”. Ah!, que inovador, quase uma cena de escadaria, o senhor tem ascendência russa? Sem entrar no mérito “hoje há mais interatores que espectadores”.

quando (chegar a esse nível de distanciamento da história) {
_root.gotoAndPlay(“sonho”);
}

Hotel graças ao órgão soturno. Uns primeiros momentos movimentados, lobby cheio, american bar de saias altas, pernas esguias apoiadas sobre scarpins auto-luminescentes. Subo [seria sobe se aqui fosse não-pessoa, mas é primeira] e no elevador acendo um cigarro. A fumaça é densa, quase condensa e sim ascende, inebria de fato e toma rumo por todo o duto com a velocidade de um fóton, vamos junto, parte de nós parte de nós pelas frestas dos respiros cujas grades douradas não impedem o inapalpável, algumas das grades são brancas, substituídas por grotescas peças de nosso tempo e não o rebuscado já agora inexistente de outrora.

À medida que nós, fumaça, tomamos conta do edifício por completo, extinguimos quem nos inala. As almas chegam, uma a uma, à prestação de contas e confessam, “eu traguei, mas sem querer”. É o que todos dizem.

Do edifício não são poupadas nem as paredes, pavimentos, nada. Fica apenas o exoesqueleto tão forte quanto uma carapaça de quitina, queratinada como unhas bem-feitas e compridas, a um deslize de rachar. Faça esse desenho na mente: um edifício apenas com as paredes que separam o que é dentro do que é fora, e um elevador suspenso no tempo, suspense no tempo. O meio de transporte cria uma varanda em todo o seu redor, possibilitando a cena.

Sou parte de uma família e estou dentro da caixa. Mas tudo que buscamos em dias de hoje, ontem e amanhã apesar de sábado, é estar fora-da-caixa. Saio pelo teto, puxo os demais. Um cabelo que pertenceria a uma mulher de cabelos curtos é agora de um homem de cabelos longos, muito bem escovados e queixo forte, pequena foice em riste, num brilho rubro de sangue e translúcido de suor. Começa pelos mais novos pois não suporta as altas freqüências, e numa dança de cadeiras apesar de não haver nenhuma vai arrancando as cabeças, uma a uma, com golpes precisos e luminosos, a sonorização não cede à tendência de colocar um fx “sssshhhuimmmmmm”. Não, é ultrarrealista e visceral, emperra nas vértebras. Sou a última pessoa a deixar tombar o corpo pelas mãos desse Beiçola espanhol que assusta cowboys da velha guarda só de ser lembrado.

O corpo tomba, mas a cabeça voa, somos não de novo. Voa para o alto. Voa para o baixo. Nesse sistema de pequenos mundos em que vivemos é grave o problema que nos assola no que concerne à gravidade da atração dos corpos. Voar para o alto significa afastar-se de um corpo celeste e aos poucos aproximar-se de outro, que imediatamente passa a exercer seu poder de atração e o vôo se transforma em queda livre. Tom Petty. Você está livre, mas está caindo. Free falling. Ah, cara, você vai tombar.

Minha fauna se desenvolve em flora e a cabeça caindo é semente, cria um corpo como raiz ao passo que sente o vento. Ai, mas que tombo, de cara na água de um raso espelho d’água. Morto que era, não dói, mas é vertiginosa a brusca parada após algum tempo de *física* 10m/s². Achata.

Para recompor, nada como uma leitura leve. Sou eu de novo, e não personagem. Leio uma revista de tecnologia, qualquer coisa sobre tecnologia e de repente um ensaio sensual [?]. Mulheres voluptuosas posam com seus gadgets eletrônicos. WTF. Passamos de novo de um tempo romântico, quando mulheres posavam ao lado de motocicletas endiabradas e rabos de peixe, a um quando o fetiche está em mini-telas touch-screen de telefones celulares. A lógica é a mesma, boys and their toys. Te digo, meus brinquedos sabem falar. O de quem não sabe? O de quem, de uma forma ou de outra, ficou para trás.

Mas em meio a essas fotos temos uma mais sacana, duas gêmeas e uma terceira, peles suadas e lábios reluzentes. Close-shot daquele amigo que tatuou-se oito de uma só vez, e assim, meio de costas, vemos seu cabelo úmido também devido ao calor que quase se sente desse ambiente quase insalubre, quase tangível [argh]. Ele desenha caveiras nos corpos das gêmeas. A fotografia e quase monocromática de um roxo latino.

Há de ser a lembrança de um restaurante mexicano.

Recuperado, levanto a cabeça do espelho d’água que só pode ser no pavilhão japonês e cá vem ele, o amigo, correndo por esporte, por isso o cabelo úmido de antes, por isso o ambiente insalubre que é um Saw sobreposto de cor e destituído de horror. Nos vemos, cumprimentamos e corremos juntos, por esporte. Conversa casual, o que estou lendo? O Zoológico de Varsóvia. Tem um curta de uns 13 minutos baseado para você fumar.

Corte seco. Hotel. Temos escadas, temos paredes.

Entro no que deve ser nosso apartamento. Temo as escadas, temo as paredes. É uma bagunça digna de Nova Orleans. Livros, inumeráveis livros espalhados pelo todo que é imenso e é nosso. Começo a arrumar e não encontro nada que deixe esquecer das cabeças daqueles que se foram, Dieter.

Árdua e incômoda tarefa essa de arrumar a casa, e o pó, e o que incomoda, mas aqui o time-lapse ajuuuuda que é uma maravilha. Fecha essa matraca e pára [já disse que mantenho alguns por charme, problema meu] com esse joguete, não somos peças pra manipular acerca de seus melindres, cretino ardiloso. Latorraca.

A fita diminui o ritmo, voltamos ao ritmo da vida real, seja isso possível ou não, e está tudo reluzente dentro do exoesqueleto recuperado, a idade de suas mães, e por último coloco O Zoológico de Varsóvia em seu devido lugar. É a chave que abre o templo nesse mausoléu de riquezas pronto para te receber, vida após vida que está sempre e para sempre apenas por vir.

Essa história, ao final, se ainda fumasse me daria vontade para dez cigarros. No entanto, afinal, essa é a vantagem de parar de fumar, não? Posso fumar quanto cigarros quiser, muito embora não onde bem entender.

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Uma velha letra nova também, leitura de um minuto e 15 segundos


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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ASSASSÍNIO EM CASA DE ÁRVORE

Ao nem tão longe vejo o garçom carregar carne de cavalo e um cálice de vinho rosè. Exclamo, “Ah!”, mais de orgulho que de alegria, estou muito consciente! Por que? Ora, o garçom na verdade não carregava, ele trazia. Se não havia ninguém mais na mesa, trazia para mim. E sou uma das pessoas que mais me conhece, a ponto de saber que de um não gosto e de outro nem provaria. Ébrio convicto, também não compactuo com cálices, apenas garrafa ou plurais. Conclusão: posso me fartar de ambos, sou consciente. Poderia comer até cachorro.

Poderia comer você.

Não há mais ninguém no grande salão, e por isso ele parece e fica cada vez menor frente a meus pensamentos. Só pra você entender, é tudo branco, menos as coisas. Estas são de madeira média rústica demolida entalhada de rebuscados toscos, adornos e encostos e toalhas e o demais é um verde que só pode chamar veludo, não cotelê. O resto, que não é nada, é branco.

Refexão: de 13, meu número preferido agora é zero. Que de mim caiu Tony não há dúvida, mas se zero é preto ou branco, disso há. Bem, quanto a Tony talvez também haja.

Agora o mais legal de tudo é o milagroso som que sai de um Sparks. Não disse antes, mas tem um general todo sessentinha, elétrico nas suas dedilhadas, cara de torre úmida de castelo, um tanto curvado. Se talvez fosse sargento, mas o que importa é a eletricidade, não mudaria em nada seu verde. A eletricidade são estrelas. Você pode não concordar, mas ninguém exigiu concordância.

Nada! Nada que você possa pegar, mas não dá pra chamar essa imensidão de nada. Parece também que tudo passou por um overlay cheio de Min/Max. Clichê maior não pode existir. E como passei a vida em busca do não-linear, mais do que aqueles quatro anos de corredores, já digo que do crème clichê e sorvete de pastiche podemos provar mais tarde. Fora desse restaurante, no entanto.

Então brado algo como “só, só porque não é digno celebrar à própria ruína, celebro, só, a minha. Entendeu? Celebro-te, mas sem tigo [sic]”. E o [sic] pode ter sido um soluço cor de rosa, não sei, mas esse [sic] me deu um tic.

Os tic’s são cortes, e estou no trabalho. No, não: num. Afinal, pode sim ficar lá para sempre, contanto que nunca chegue perto de se tornar o que precisa fingir todo dia.

Estou nesse trabalho onde em vez de caneta tenho guitarra na mão. Faço com ela o que faço melhor, mas com pressa de urgência, espanco seu corpo como merece, como se completa e deleita. E como grita! Até que dada hora grito.

Meus piores medos podem ser as causas das minhas atitudes posteriores, na verdade da condição posterior. Estou num hospital, todo inchado do cotovelo às pontas dos dedos, “é fratura múltipla, sua mão ficará meio desestruturada, dobrável e dolorida para sempre, como uma bicicleta dessas, sabe?”. Sei.

Tenho licença para ir embora, permitido ir para casa. Claro, hoje ela não ficaria em outro lugar que não uma árvore, não teria menos nem mais que setenta metros quadrados, e certamente uma escada.

Mas até aqui me encontram, e apesar de não ser justo a cadela velha vem se esfregar na minha perna. Tenta lamber minha mão, grito de dor, vejo a mão dobrada. Filha da puta, vai lamber berinjela. Puta, por default, também não vem no dicionário do filho da puta do Word. E daí ainda tem filho da puta que acha que tudo bem e nunca será web-based.

Muita gente passa, muita gente pergunta, não me lembro de responder nada melhor que “quando digo ‘ai’ é porque a dor está insuportável”. Algo como “meu braço está doendo onde o tigre está mordendo”. Isso é do melhor de todos, quando Bartolomeu é TomTom. Dou resposta a todos, a mesma, seja ogro, gentil, bela, fera, se fosse um congo ou um berimbau seria o mesmo, a mesma indiferença nada sutil.

Continuo a rotina, quero que saiam dessa maldita casa de madeira, ansioso, balanço as pernas e bato o pé com freqüência indescritível por gráficos, balanço até derrubar uma bandeja que ficava no degrau de baixo. Quebro todos os copos, na verdade taças, e na verdade hoje chamarei de cálices.

A casa é minha, deixo os cacos, olho pra eles sem lamentar, continuo ansioso, batendo os pés e com dor na mão dobrada, sentado na escada de madeira, sentados mais dois, um rapaz que teima em tirar de mim a diferença entre Camel e Lucky Strike, que teima em saber as similaridades com Marlboro, que me insiste tanto que me enerva. Respondo "it's toasted" querendo dizer "you're toasted", mas não me sinto aguardando uma jogada de sorte, nenhuma mulher cairá em meu colo no meio do deserto, sem lucky strike por agora. A outra me enerva, só ri, nem sorri.

Uma mulher bem bonita entra na casa, vejo ali do alto da escada, balanço ainda mais as pernas, a risonha vê uma nova bandeja tremer, ri, diz que mais cacos virão, esses cálices cacos virarão, CALE-SE.

A bela mulher diz "saia, essa casa é minha".

"O sonho é meu".

"A casa é minha, saia agora pois não quero gente assim em minha torre".

Entra um cachorro e mija num canto. Ladra. Ladra para mim, não para a ladra. Ladra baixinho, ao lado da ladra.

"Pois se gosta de filmes, seu bosta, pense nos clássicos trash japoneses. Pense em pastiche, sr. Quentim, te enfio uma faca pela orelha e arranco seu cérebro, um pedaço, e frito. Sangrará como um esguicho enquanto frito com pitadas de Lecter, comerei cachorro afinal, afinal isso é um sonho e é meu, e se é meu, é meu o direito de fazer disso um pesadelo. Se veio para tirar de mim o sonho, é isso que levará".

Suor. The sun rises 'cause you're not sleeping.

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terça-feira, 28 de julho de 2009

ÓRGÃOS, CERTEZAS E TANTAS OUTRAS COISAS

Peço desculpas por desvirtuar minha própria proposta e postar algo que não é um sonho dormido. Peço desculpas a mim mesmo, claro, pois além de ser o principal leitor e apreciador disso aqui – às vezes até mais como exercício que como algo a se dar valor – sou também uma das raras exceções na minha bounce rate, porque os outros raros não constituem exatamente uma legião de fiéis e idealistas seguidores e, por fim, porque na minha cabeça está tudo bem claro que são sonhos [não oníricos] que me colocaram assim, com essa vontade insaciável de estar no escuro macio da própria cama, quieto, e necessidade de me expressar. Expressar pra mim, como aquelas coisas que ganham mais peso se as dissermos, e isso é algo tão presente agora, sempre pensei que não fosse me ver às voltas com questões existenciais, abalos na estima... Não que verbalizar faça com que virem mais verdade, mas faz alguma diferença. Acho que isso é organizar o pensamento, buscar lógica, porque é da nossa natureza querer saber as causas, e quando não sabemos precisamos de alguma forma de consolo. Muitos agradecem com fé; cético pois empírico e prático, nesse momento agradeço Alan Kay e William Moggridge mesmo.

Nossa, o parágrafo anterior tem tudo que penso no momento, um mancebo de tantos ganchos. Vou vomitá-los como pílulas nem sempre conexas, de uma forma disforme, desregrada, pela primeira vez em vinte e seis anos, seis meses e vinte e oito dias. Porque só depois de vinte e seis anos, seis meses e vinte e oito dias [por sessenta e três minutos não vinte e nove] quis fazê-lo, e não é isso apenas para não ser outra coisa. Não, Witold, isso é pra ser assim. Penso em pão de centeio. Quando digo isso, estou pensando em forma, não fôrma [sic].

Peço desculpas pela extensão desse texto todo por extenso. Mas ele nem precisa ser lido, é uma escolha. Ele nem foi feito pra ser lido. Aliás, não foi feito pra VOCÊ ler.

• FALANDO SOZINHO

Pedir desculpas a mim mesmo é um símbolo muito forte de algo bem atual pra mim [quantos pra mim, quanto egocentrismo... ou quanta necessidade de se descobrir, quanta preocupação em ser um melhor ser, ou o ser que devo ser], que é esse monólogo intenso, incessante, essa latente condição de pensamento, de busca.

Tenho conversado muito comigo, e não foi só uma vez que me peguei fazendo caras e gestos pra ninguém. Acho normal.

Tenho falado sozinho. Admito. Agora mesmo estou falando sozinho. Falando sozinho porque não tenho para quem falar. Estou trancado dentro de mim mesmo, me trancaram pra dentro e levaram a chave. Falo sozinho porque você não está aqui pra me escutar.

Sozinho porque ainda assim tenho a necessidade de falar. Quero e preciso trocar, coisas me sobram. E quanto mais me sobra, mais pobre fico.

Monólogos são complicados, é preciso muita energia, carisma, força. Certa vez vi uma Joana d’Arc sozinha em imenso palco e desde então tanto admirei a atriz, Torloni, quanto a força de um monólogo. Não sei se o meu é assim, não o admiro tanto. Pra falar a verdade, não vejo a hora que acabe.

Mas sendo inevitável, só acaba quando de fato termina.

• ORGULHO

Tenho orgulho de não ter um orgulho exagerado, e acho ótimo quem sabe pedir desculpas. Eu não sei, peço demais.

• EXERCÍCIO

Se pela manhã nem sempre e por vezes quase nunca tenho disposição para sair correndo por aí, é só porque meu cérebro precisa de exercício.

Na verdade, todo o tempo tenho passado com uma enorme vontade de sair correndo por aí, por ali, pra puta que pariu. Acho que preciso mandar algo pra puta que pariu, pra casa do chapéu, mas agora não tenho nada nem ninguém que mereça. E como precisa ser de verdade, fica aqui constipado. Acho que preciso é ME MANDAR pra puta que pariu. Enquanto isso, só me aconselho toda hora a ir pra lá.

Bom, mas como dizia, isso aqui mesmo é um exercício de auto-conhecimento, desabafo cálido. Pretensioso egocêntrico, mas isso aqui não tem o menor valor pra ninguém nem aspira ter. Tem pra mim porque me faz bem, e se o faço é por necessidade. Quem conhece, sabe que evito o evitável. Evito até jantar.

De qualquer forma, tem funcionado. Tenho um pensamento cada vez mais forte, tanto mais forte quanto menos dogmático, mas ainda convicto apesar de em formação. Mais conseqüente, mais compreensivo e compreensível e racional e causa e efeito e maduro. Que não caia.

• CORTE SECO X CONVICÇÕES

Alguém já se deu conta que podemos deixar de ser o que éramos com a simplicidade e velocidade de um corte seco, sem efeitos nem transição?

Alguém me ensina a ter convicção como sempre tiveram “contra” mim? Admiro a capacidade de precisar de tempo. Tempo tenho muito, no entanto, então não fico desejando mais...

Por fim, conheço também gente que é igual a mim. E eu xingo essa gente quando agem como eu, mas só há pouco cheguei à conclusão de que xingo é a mim mesmo, a raiva que tenho é de ser assim, mas não me vejo de fora então me agrido mais com junkie-food que com palavras. Junkie-food sozinho, de preferência na mesma cadeira de sempre, afinal se canções são indissociáveis de sentimentos, locais também o são, então quanto menos locais lhe forem de auto-flagelo, tanto melhor, porque com esses locais vai ser impossível ter um encontro agradável de novo.

Fico triste, maníaco. Tenho mania de perseguição e não sei lidar com rejeições de todo tipo ainda. Caso desesperançado de não aceito não como resposta. Aceito vários, só os que não devo. E brigo com os que devia deixar pra lá. Isso já sei, mas preciso aceitar.

POR EXEMPLO: a gente deixa de ser pra alguém, a gente passa a ser ninguém assim. E tem a gente que passa bem na sua frente, tem a gente que vem na sua vida e só passa, e vai. Essa gente que passa e mexe com a gente, e gente como eu não reage bem a provocações.

E curioso, acho que minha primeira palavra foi não. Se não foi, foi ao menos a mais dita, e de longe. De perto também.

• MOLAS

Uma das coisas que mais me impressiona na vida é a resiliência. A gente demora e força muito pra esticar a mola, mas ela volta tão rápido e com tanta força ao estado inicial...

• PALAVRAS PREFERIDAS DO DIA

Malogrado. Resiliência.

• POR QUE AQUI?

Mais uma vez.

Outra.

Sonhei errado. Mais uma vez, sonhei.

Ainda bem que não é pecado, apenas pela expressão pois sou ateu egocêntrico – nenhuma crença é maior que eu.

Os sonhos simplesmente acontecem, e se não dermos muita atenção eles simplesmente somem.

O que somos nós senão sonhos?

O que será de alguém que não é sonho de outrém? Muito triste não ser sonhado.

Pago pelos meus sonhos, caro. Meu caro, como pago. Mas pago com gosto, pago porque acredito em sonhos, sempre serei sonhador e de tantos sonhos que sonhei errado, a chance de sonhar certo só aumenta. Matemática: estatística. Claro, verossímil se aceitar um mundo bonzinho onde todos têm vez. Nesse não acredito, mas acredito na minha vez.

Egoísmo.

• EGOÍSMO X NECESSIDADES PESSOAIS

Não me importam outros contextos. Já disse que escrevo pelo exercício e por um bem que busco atingir, me ajuda e gosto muito.

Então você, espertinho de plantão que busca falha em tudo que vê por aí, poderia me perguntar “ora, se é algo tão pessoal, por quê postar aqui?”. Primeiro de tudo porque isso aqui é meu, porque sou adulto e faço o que quiser. Segundo porque acho que todo texto, e acima disso todo SENTIMENTO tem o direito, ainda mais, tem a NECESSIDADE de existir.

Quanto ao texto, a matemática: análise combinatória cheia de magia, infinita.

• DISCURSO GENÉRICO X CONTEXTO

Como é interessante a questão do contexto. Quero dizer que tudo isso aqui é muito objetivo, esse monte de palavras tem um contexto bem específico e faz muito sentido para quem ele é familiar. Lendo assim, sem o background, posso parecer genérico, raso, niilista, com uma pequena crise existencial tão típica da nossa pós-modernidade psicanalisada e deprimida.

Ou posso soar reconfortante e até parecer adequado a outros contextos.

Pretensão.

• O TRABALHO ME DEVORA

Mais uma vez não aceitaram a minha fórmula de felicidade. Várias linhas, nenhuma aprovada. Parece que a vida passa por muitos diretores de criação, e estes muito mais exigentes, pois cuidam de uma só conta, um único job que precisa ser matador.

E não aceitaremos meias-ideias.

Será uma ideia completa, perfeita, ou será nada.

• UMA CERTEZA MAIS QUE DÚVIDA, MAS CADA UMA É TAMBÉM SEU OPOSTO

A certeza é que podemos estar muito certos de algo incerto ou até mesmo errado. A dúvida é se existe justiça em disparidades, discordâncias graves entre duas pessoas. A certeza é que não acreditamos num mundo regido e regado a justiça. A dúvida é como duas pessoas dentro de uma mesma situação e ao mesmo tempo podem se afetar de maneiras tão diferentes, acreditar em coisas tão diferentes e desacreditar. A certeza é que realidade é um conceito muito esquisito, pois real não combina com relatividade. Real é fato, mas é fato que existem pontos de vista.

• LUTA DE ÓRGÃOS

Ouço com as orelhas e os ouvidos o barulho de uma porta abrindo, vou sair pra dentro e vejo algo com olhos, e aí o coração me bate violento. Bate forte, na boca do estômago, que na ausência de um cérebro é quem denota todo o real sentido da vida e tempera as sensações.

O estômago é o órgão das certezas.

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terça-feira, 21 de julho de 2009

DIVINIDADES

Já decidi. Quero aquele todo original com sofá de couro marrom no lugar de assentos.

Meu novo automóvel é simples, mas ousado. Não tem vidros elétricos nem CD-DVD-GPS-USB-WIFI-BLUETOOTH. Mas se forem bons amigos, aceita numa boa GLS. A primeira volta dou sozinho, eufórico que estou, mas comedido como sempre, esta é extravasão. A volta é curta, o suficiente para sentir os pedais, sentir as manoplas, sentir a folga do volante e o cheiro do couro envelhecido, perceber o ponteiro impreciso e olhar pela mira com orgulho.

A volta dura até uma esquina. Chego à esquina dela e ligo. Buscando alguma relação com o novo brinquedo, em vez do celular uso um orelhão. Quando procuro uns trocados na carteira, atino para todo o dinheiro que ainda está ali, saí sem pagar pela compra! E já que não perdi um centavo, estou rico, e rico não liga nem interfona, rico buzina.

Buzino, paquerinha.

Buzino para o maldito carro da frente na fila do drive-thru.

A buzina buzino em frente a ela, novamente, e lá está ela, aqui está ela e furiosa, mas insistente. A potência da buzina assopra com violência seus cabelos para trás, seus olhos semicerrados tentam enxergar, e a mão que não segura uma pequena bolsa bate no vidro a me chamar.

Às vezes isso acontece, estou no meio de algo quando, de repente, acordo.

Largo mão da buzina e abro a porta, entra e o cenário não poderia ser mais triste se fosse outro. Caixas de batatas-fritas e hambúrgueres espalhados por todo o assoalho, nauseante odor de fritura que impregna qualquer cabelo mal-lavado, imagine o de duas vezes ao dia. Estaria todo o glamour em mim e não na realidade, teria sido por isso de graça? Uma graça?

Mente quem diz que anão não é uma graça. Mente quem diz que de ver um anão acha graça. Mas ser anão também não é nenhuma desgraça. Ah, não!

Weng Weng, I love you my Weng Weng, come to me and please me, I love you Weng Weeeeeeeeeng!

Mas Weng Weng não é anão, sejamos francos. Ele é pequeno demais, mas proporcional, e não esteve presente quando ouvi sensibilizado o desejo de um jovem meia-idade, meia-estatura, Flanders. Se disser que não tinha bigode fica evidente a real causa de seu nome. Não tinha bigode e sonhava ser jogador de basquete profissional. Sonhava alto apesar de baixo. Sonhava com NBA, apesar de que não alcançasse nem mesmo a haste horizontal do A se pulasse.

O caminho mais fácil são as ligas universitárias, por sua vez originárias das ligas escolares, das ligas infantis e, finalmente, das cintas-liga. O melhor é ir à origem, especialmente nesse caso.

Dentro de uma sex-shop, na seção de cintas-liga, encontro a cheerleader chefe dos anos 60, como está caída. Mas ainda dourada, sua aparência guarda uma saudade dos áureos que passaria despercebida não fosse o pom-pom no traseiro. Chamemo-la Hawn. A dourada Hawn afasta algumas das ligas e espeta o nariz entre elas, me chama com o dedo indicador, “poderia verificar a possibilidade de conseguir uns lances para seu amiguinho Flanders se você for bonzinho comigo”. “Prossiga”. “É que comi burritos no almoço e não escovei os dentes. Em alguns minutos vou buscar minha cadela na tosa e não gostaria de passar vergonha. Diga-me e seja sincero, meus dentes estão sujos?”

Oh! Poupemos os detalhes, só o que importa são os lances-livres.

Holofotes e muito barulho. São no mínimo quarenta mil espectadores a nosso redor. Se Flanders acertar um lance de primeira, adivinhem, vai para a liga principal. Mas apenas se for de primeira. Nesse caso, ele opta por transferir sua culpa, sua responsabilidade, sua vida, suas decisões, seu futuro, sua família, seu carro, sua casa mobiliada, seus documentos todos e seu saldo bancário, tudo para mim. O peso não poderia ficar maior se o carregasse também nas mãos em vez da bola.

No entanto tenho infinitos lances, e o pior, só sairemos quando acertar. Tento uma, duas, três treze 21! Desisto.

Saio furioso para dentro do vestiário, percebo um intenso entra e sai de garotos por volta dos nove anos de idade com papelotes de entorpecentes nas mãos, os que entram perguntam aos que saem se ainda há mais, com notas de dinheiro nas mãos. Esse entra e sai era ainda mais nauseante que o entra e sai de jogadores e cheerleaders desavergonhadas.

Os olhares das crianças são tristes, fundos, negros. O vestiário é verde, ladrilhos quebrados, rachados, fungos. Uma total anarquia. Um misto de guerra e promiscuidade assexuada, promiscuidade moral. Crianças junkie. Saio mais uma vez, agora pela porta de saída, e do lado de fora as coisas não são muito diferentes. Pequenos bicheiros, pequenos traficantes, pequenos bêbados. Percebo que têm todos o mesmo rosto, o meu.

Ao longe, vejo meu próprio rosto me convidar a uma partida de baralho. Me aproximo, começo a jogar sem atenção, e a banca diz “Vinte e um”.

O susto da exclamação me faz reparar num maço de dinheiro, cartas de baralho e um papelote sobre um livro largado no chão. Pego tudo na mão e me dizem “cuidado, isso é do Fogaccia e você sabe que ele vira um pastel quando tocam suas coisas”. Qual o quê, esse Fogaccia é um pequeno imoral, vou eu mesmo até ele.

Mas já me encontrou. E não é que vira mesmo um pastel? No instante que me vê em posse de seus pertences, começa a dizer “está certo, você venceu, volte lá e cobre os lances livres, agora irá acertar. Quanto a vocês, todos ao carrossel, à amarelinha, chega de azar e drogas, leite achocolatado para todos, e frutas ao mel...”. Assim continuou fazendo o bem.

O que me passou pela cabeça, depois, foi que todo aquele desconsolo era por minha falta de empenho, coro e corro como nunca em sonho corri, adentro o ginásio, volta olímpica com o livro nas mãos, como alegando nosso salvador, a platéia toda me saúda como o escolhido, e todos reverenciam o tal livro como solução incnteste, como fé e não razão, como algo que escapa à nossa compreensão e felizes que tenha eu supostamente aceitado, mas não. Num surto de sanidade, peço a retirada da tela entre mim e a cesta, arremesso o livro em direção a ela, mas ele só faz subir, subir, e com holofotes que estão mais para holofortes me cego. Recebo de volta o livro como um contra-baixo que me cai na testa, todo Novoselic, e isto foi o mais próximo de uma divindade não terrena que consegui chegar.

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Alguém não conhece Weng Weng?



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segunda-feira, 20 de julho de 2009

ÉPICO

Colônia de férias. Não quis sempre ensinar? Estamos em um cenário bucólico, pinheiros abacateiros amoreiras patos e marrecos. Pato pato pato, marreco não é pato.

São aproximadamente trinta as crianças que me chamam de tio. Penso que ou meus irmãos se apressaram e tiveram múltiplos, ou sou professor. Defronte a tantos pequenos, sinto-me na obrigação de um mundo melhor e penso ensina-los a pintar e conceituar um quadro infantil. Lá na frente me serão gratos, pois nunca serão porque sim.

Peço que apreciem a paisagem e encontrem qual faceta mais lhes agrada, um a um, e a observe intensamente até que retorne com o material necessário, que está em casa.

Desço a escada do alecrim e só tenho lembranças tristes, menos lembranças que sensações. Lembranças se consegue documentar, diferentemente de sensações. Estou no patamar da vergonha quando um pequeno gato laranja morde minha canela, abraça com as da frente e empurra com os pés freneticamente. Mais um gato maluco.

Ele pula do alto patamar em direção a qualquer coisa que arremesso lá embaixo. Se espatifa sem perder o ânimo, pega qualquer coisa e, num pulo, alcança o patamar, quase direto. Precisa que o agarre e puxe para não cair. Está preto agora, deve ter sido a queda. E late. Late para lembrar que preciso de um novo colchão e fraldas.

Esqueço das crianças, corro por uma avenida que se não Sumaré, outra. Isto é certo.

O gato é filhote e cheio de energia, me acompanha. Mais do que isso, é o coelho que me impõe ritmo. Perco o ritmo. Outra vez o empecilho do qual ainda não consigo me livrar! Correr é a tarefa mais difícil de todas que tento à noite.

Novamente minhas pernas começam a diminuir, a calça sobra, enlameio-me todo e sinto dor, a dor da impotência. Vejo as crianças que deixo para trás, vejo o gato que escapa lá na frente, vejo tudo que deveria um dia ser meu e ainda não é, ou nunca será.

Vejo uma praça recém podada, recém aparada. O cheiro é inconfundível. Aproveito os restos da poda e arrumo um cajado que me escore até a banca do Patrick, lugar mais apropriado para comprar o que preciso.

Ando por avenidas e ruas e alamedas e praças escuras e vadias dentro do Jardim Europa, solitário, como se a distância entre os logradouros fossem coerentes às continentais, exaurido. Chego ao estacionamento onde está o trailer-loja. Peço um colchão queen-size, fraldas tamanho grande e desculpas. Sempre cortês o atendimento, fico mais tranqüilo. Agora posso prover aquelas pobres crianças de algum conforto e segurança.

Já é fim de tarde, e decido por um atalho, uma escada. O colchão e as fraldas se transformam em frutas e carne com o piscar de uma seta. Desço centenas de degraus em lances de 13. Parece bastidor de mercado, supermercado, hipermercado. Centenas de degraus em lances de 13. Silêncio, soa o som da sola contra o metal, soa apressado e derradeiro. Último lance, quarenta e oito do segundo. Quarenta e oito no último lance! E pior, ao contrário, de forma que é um abismo.

Largo o pacote com as frutas e carne, desço sozinho para não arriscá-los. Por trás de uma porta ouço gritos neuróticos de um chihuahua. Uma outra traz luz pelo vão, deve ser a saída. Abro-a, estou num posto de gasolina, inerte, inebriante o cheiro de combustível que me penetra as narinas e faz combustão nos pulmões.

Sou visto.

O frentista-assistente avisa o diretor de combustão que estou ali, e me perseguem. Subo de volta o abismo com agilidade que nunca tive. Todas as crianças estão, de repente, de repente, ao meu lado, cada uma em um lance de escada, as paredes caem e somos um navio, cada lance é um patamar no mastro principal. Somos vermelhos, cada criança daquelas é um de nós, que envelhecidos não sabemos mais quem somos. Mas agora somos crianças de novo.

São crianças de novo, eu não.

Assumo o patamar da vergonha e digo “vermelhos, atirem as bolas de queimada sobre todo e qualquer amarelo, à vitória e à glória ou à morte brava, bravo!”.

A parte do sangue e da regra não conto, desnecessária. Vitória dos vermelhos, honrados de volta ao condado, observando a paisagem que mais agrada a cada um.

Garotas jogam vôlei em uma quadra de basquete com bolas de golfe. Do alto da tabela, como se fosse ainda o capitão, vejo no rincão mais distante um Caio preso no Alto de Pinheiros. Renato observa e clama por ajuda. Corro, o carrego nos braços descendo pela casca áspera da árvore, enquanto Renato diz “esse rincão é todo cheio de forquilhas, são treze. Perfeito ideal para uma encruzilhada, Zequinha à vista”.

Enxofre e fumaça, entrego o corpo de Caio, que não me larga os dedos com facilidade, ao Zequinha.

“E então, crianças, o que acham de ilustrar esse épico?”.

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domingo, 19 de julho de 2009

CHAGAS, PAIXÃO E GUERRA EM MAYFAIR

Mal me recolho vem lá a alvorada, corneta-timbre-de-cravo saindo pelos potentes alto-falantes do teclado. Não passa ainda das cinco oitavas de amanhã.

Deve ser por isso que todos os militares de nossa força são moicanos, não há tempo de pentear, nem tempo nem disposição de colocar os mullets em dia. Só conseguimos levantar, vestir as justas calças brancas da farda e fazer o primeiro xixi do dia, apoiando com cuidado os colchões na cabeça para não encharcar. Na falta de penicos, utilizados agora como capacete de guerra, mandamos instalar vasos sanitários debaixo das camas; no entanto são muito pesados para tirar de lá. Grande azar daqueles que dormem em camas de baixo.

Fico com receio de fazer, mas logo me dou conta que é um sonho, tudo fica bem e sem acidentes. Enquanto seguro o colchão, percebo uma grave curvatura lombar nas costas de minha cama, acho que as molas M2 e M3 estão gravemente prejudicadas. Pela curvatura, temo ser fratura. Grave lordose, essa cama precisará de cuidados mais tarde.

Agora, no entanto, me dirijo ao jipe e levanto o assento basculante para tomar posse de minha Luger 7,65. O raso mais distante se aproxima, “usamos primeiro toda a munição do jipe, deixamos as portáteis para mais tarde!”, ao que respondo calado, “CALADO, essa é a estratégia!”. Ficar calado.

Subo no jipe e outro raso dirige com velocidade e destreza, “precisamos chegar logo à lanchonete antes que bata o sinal de recreio, caso contrário a fila será intransponível até que se esgotem os mayfairs”. Croissant, queijo cremoso e peito de peru, desjejum de patriotas.

Mas chegamos tarde, perdemos a primeira batalha. Quilômetros de filas em torno das trincheiras de mayfair. Só conseguiremos invadir com uma boa estratégia. Fico calado e faço gestos absurdos como aqueles que certamente já viu militares fazendo em filmes. Em essência, na realidade, nunca querem dizer nada, mas como seus subalternos são muito tolos para dizer que não entenderam, fingem que está claro e tomam alguma decisão em seu lugar. Dessa forma o oficial sempre se preserva: no caso de derrota, foi mal-interpretado. Em vitória, a glória. Basicamente isso é tudo que precisa se saber sobre a linguagem de sinais de todos os exércitos ocidentais, nada preocupados com a honra.

Ocidentais não têm kamikazes ou similares, não temos muita gente disposta a morrer por uma causa. Por isso somos bons no vôlei, só queremos dar um toque na bola e passá-la para frente.

O time feminino treina na quadra para um torneio iminente. Os rapazes observam a justiça dos shorts, enquanto elas não nos recepcionam, apenas bloqueiam e cortam, enquanto nós levantamos.

Já fiz os gestos e livrei toda a responsabilidade de meus atos, agora me misturo aos comuns. A fila começa a andar loucamente, tão rápido que não consigo acompanhar. Na verdade, minhas pernas que diminuem, diminuem tanto e doem, fico Helena, encaixotado quase, e me dói tentar correr. A calça suja rapidamente na água preta do chão, pisoteada, e vejo que o plano precisa ser cancelado, qualquer que seja. A fila anda, não posso arriscar vidas inocentes se teremos de qualquer forma mayfair. Justiça seja feita, mayfairs justificam mortes, mas não hoje.

Preciso trocar a farda para dar novas ordens. Dou tiros ao alto a fim de estraçalhar e espalhar a multidão, que corre como um bando de patos selvagens para mesma direção. Mais tiros, sabia que ter minha Luger seria útil.

Cai um helicóptero sobre a quadra de vôlei. O plano!, era esse o plano! Que injustiça, shorts voando, bolas de fogo arremessadas ao alto e abaixo para proteger minha cabeça. Estou sem penico.

Miriam aparece em meio a toda a fumaça e empunha um potente aspirador, vai puxando toda a fumaça e destroços. “Quero tudo isso limpo antes do sinal, mexam-se”. Lemmings organizados, formigas abelhas cupins e tudo está limpo.

Peço um mayfair, e o único olhar triste, abalado dos arredores é aquele que me atende, é aquele pelo qual me apaixono solidário. Patrícia, a mais jovem e também mais feia, foi obrigada a se tornar bela para substituir Andréa, a mais velha, vítima fatal da picada de um barbeiro.

Deixo de lado a vitória em mayfair e convido Patrícia à minha cama, ao que se nega. “Vamos ao mesmo quiroprata, e pelo que sei ela tem problemas graves”.

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sábado, 18 de julho de 2009

LIÇÃO DE VIDA

Não é certo que se diga “aprender a sobreviver”. Simplesmente não.

Estive perdido, passei por um regato onde molhei meus dois pés, deparei-me com um belo urso polar. Não há nada de tropical nesses calafrios. Virando a esquina da mata já não é mais 9 de julho, o regato se transforma em um riacho, um rio pedregoso e sem dengo.

Tudo é perigo. Meus amigos são todos salmões e pulamos como golfinhos rio acima. À exceção daquele primeiro urso, todos os demais colocam as patas na água, entram até a barriga sem se molhar lá de dentro das roupas fly-fishing. Deve ter fugido das aulas na Foquinha.

Subimos obstinados, de laranja, dando pulos de tanto frio que sentimos nessas águas, queremos chegar ao topo do mundo e passamos para isso entre dentes menos afiados que famintos. Ao fundo, ao alto, o sol e o calor.

Subimos obstinados mas ainda assim com baixas no pelotão. Aquele que não entra n’água é gigante e no auge de nosso desespero nos prende com os dentes, é o fim, espatifaremos entre eles. Mas, com a delicadeza e presteza de um labrador, os dentes nos apertam a carne apenas o suficiente para que não caiamos, então em um brusco movimento da cabeça somos arremessados ao alto da colina, salvos.

Movimento tão brusco que chegamos ao pico e mais, o impulso ainda nos derruba ao lado de lá, uma catarata de água quente que enche uma antiga bolsa térmica de borracha. Impotentes, somos levados pelo fluxo, nos olhamos sentindo mais postas que peixes, e o pior, cozidos.

Se tudo parecia sinistro, finito, terminal, o choque que traz a queda só confirma. O choque vem em todos os sentidos, trocamos o som das corredeiras e urros e grunhidos da floresta e assobio do vento no vôo por um tranqüilizador subaquático. Das duas uma, chegamos ou onde queríamos, ou chegou para todos a morte no escuro e na falta de toque.

No entanto algo já é melhor, temos águas mais quentes. Porém antes de cair aqui dentro dei-me conta da bolsa térmica antiga, também como nós laranja, e todos sabemos que essa borracha não segura o calor por tanto tempo. Estamos em contagem regressiva para o congelamento final.

Aproveito as primeiras pedras de gelo que se formam para meu copo longo, drink preferido da noite com receita.

Ingredientes:
• Gelo em cubos bem gelados;
• Vodka, de preferência Stolichnaya;
• Copo longo; e
• Guardanapo de papel.

Modo de preparo:
Encha o copo longo com pedras de gelo bem geladas, até passar um pouco da boca. Complete com Stolichnaya, naturalmente os cubos cederão um pouco e caberão dentro do copo, independente da sua vontade. Abrace o copo com um guardanapo de papel e prenda-o com uma torcidinha no estilo gravata borboleta para proteger as mãos do frio.

Como dentro da bolsa não há guardanapos de papel que resistam, seguro direto no copo. E como o gelo é muito puro, é também muito gelado, gela meus dedos e por capilaridade me gelam até o núcleo, até o coração. Preciso aquecê-lo e montar armadilhas. É a forma mais cruel de matar um ser vivo inocente, mas a sobrevivência é lei irrevogável da natureza. Azar das lebres que não aprendem a viver.

Repleta de lebres, Augustas Kellys Agathas Arielles. Estão lá porque gostam ou porque não aprenderam a sobreviver?

Pouco importa. Na luta por sobrevivência sou o oposto de altruísta e desço com o fluxo de vodka pura nas veias, o mesmo fluxo da enxurrada. Preciso escolher a minha de uma dessas vitrines. Se não fossem lebres, iria direto à toca do coelho comer uma galinha e conhecer uma vaca, mas por aqui só há porcas.

Olhando esse catálogo de prostitutas percebo que todo o layout é muito feio e que sou moralista, sou contra, vá ganhar dinheiro de outra forma. Empresários do submundo, yuppies mimadinhos com suas grandes fivelas de rodeio e nenhum respeito.
Normalmente de mundos separados, essas prostitutas do horário comercial se misturam a dois de tempos pueris. Um provoca o outro. Um apalpa o outro. Um se rebela. Um se contrai. Um se compadece. Um abraça. Um retribui. Um, finalmente, pergunta “dorme comigo?”.

Sou aqui o correspondente à adrenalina da surpresa. Emoções inviáveis, sempre ditas e desacreditadas, ditas só pelo absurdo que seriam se fossem verdades, não eram nada oníricas, apenas absurdas e agora realidade. Um sim, mas dois?

Um ficou no aposento. Um saiu. Um voltou, ambos nus, sabres de luz, prontos para a esgrima final. E perto do primeiro touché, um diz “jamais pense em me tocar, por tudo que me sabe, por tudo que nem sei, jamais pense em me tocar. Isso é apenas uma tentativa de lhe ensinar a viver. Fez bem e não o quero nunca mais ver, mas precisa aprender a viver, precisa aprender a viver e precisa aprender que nem sempre estarão com você. E lembre-se, não se ensina a sobreviver já que basta um segundo para qualquer um de nós morrer. E aí, meu amigo, o que tiver aprendido será em vão”.

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sexta-feira, 17 de julho de 2009

ELEVADOR VAZIO

Oito órfãos em menos casas. Órfãos e avós, pode?

Encontram-se todos ao redor de uma mesa. Apesar de julho, a tarde é agradável. Não, a tarde é morna, nem frio nem calor, mas é desagradável por questões que escapam à meteorologia. Mas o clima, falando de tempo, deve ter se preocupado em trazer o quente para compensar o frio dos oito e muitos mais.

Climatizada está a sala da mesa, na qual adentro, por tristeza e comedimento. Ouço uma missa que quero acreditar sonhar. Todos fazem sinal da cruz enquanto cruzo os dedos das mãos dentro dos bolsos.

De repente, de repente, tudo é diferente, sem volta. Pessoas se confundem. Estamos norte-americanos post-mortem, e como são elegantes nessa hora, no entanto tem disposição todos à comida. À minha volta, a iguaria mais apreciada é um abacaxi com brie, bem loirinho e espetado. Todas as coroas são feitas disso, enormes.

Personagem arrogante em meu próprio sonho, vem e me diz “atravessaria a rua se te visse em minha direção na mesma calçada, assim todo de preto”. Ora, companheiro, estamos fúnebres, luto para respeitar o luto, mas desfiro uma escarrada mesmo, sendo até esse meu gesto mais apropriado que o de meu interlocutor, mais aceitável e convencional.

Vamos à marcha, seguramo-nos pelos braços e olhamos fixo a um ponto distante, fixos. Desço uma enorme ladeira que é um tobogã, chego exatamente ao abaixo do tobogã, por baixo dele, e tem uma piscina. Um técnico alemão grita “das kindergarten werk, das kindergarten werk”, ou “dobre levemente os braços, faça o S do Senna debaixo d’água, seu bostinha”. O pequeno alemão molhado não gosta. Estou sentado na beirada, com os pés dentro como o bebum entalado no bueiro.

O pequeno alemão molhado não gosta.

Me cospe de volta o cuspe de outrora, mas agora por entre dentes afastados e apenas água clorada. Que mal há? Olhar assassino, rebelde, olhar de fazer história e temeridade.

Do ângulo que estou, consigo ver um cavanhaque aberto e poucos dentes lá dentro, gastos e cortados em quatro, todos os poucos, para ficar mais fácil puxar. Não demoraram nada a aparecer, nada nada, dentes. A pele e a mucosa brilham de cera, lisas e semiopacas.

Esse semibrilho aproxima, aproxima as pessoas, e à medida que se aproximam de mim me sufoco, não os nego nem quero, não os nego mas também não os quero. O brilho, semibrilho se aproxima e transforma-se numa careca reluzente em que dou um tapa médio / forte em respeito aos presentes.

“Ali faltam os cabelos brancos”.

E vou procurá-los dentro do automóvel, corro infinito até lá, a careca me persegue. Percebo que não será uma caçada com fim e sento no banco do motorista, não estão lá os cabelos.

Olhos fundos no alto de um carro gigante e pomposo, criança no banco de trás, aquele jovem não poderia se chamar algo que não fosse Paulo. Arremessa ao careca uma touca de silicone de natação, que me entrega. Visto, é bela, laranja translúcida, e me penduro por um braço apenas na coluna principal do veículo.

Toda a torcida chega ao estádio, me penduro com força de um braço, homem-aranha já sou.

Volto à piscina para não ser tão franzino, nado, nada, e no vestiário calço um pé de cada cor apenas para ficar a lembrança das brincadeiras do passado, e que não voltarão mais.

E se aquele taxista em Brasília ficou me devendo $5, era um prenúncio dessa memória cujo significante já não existe. Mas nunca me esquecerei das notas de cinco amassadas e surradas para dentro de meus bolsos ainda pequenos de bermuda de garoto.

Nem das bananas com tudo e qualquer coisa, nem do café. Essa nota foi gasta, e foi bem gasta.

Prenúncio? Há aqui muito ceticismo para crer que sonhos possam ser premonitórios.

Dos oito órfãos, não sei ao certo quem é certo de ter perdido uma pessoa sua de propriedade. Creio um ter certeza que não. Penso isso enquanto subo dentro de um elevador, sozinho. São oito andares mas paro no quinto sabendo que um dia hei de chegar ao topo do edifício, por mais difícil que isso seja.

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Bye, welcome.

Estamos produtivos, humanidade, leia também o Excêntrico e a Cidade.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

LIQUIDIFICANDO

Elevadores no escuro, escadas ao amanhecer. Nada mais justo e salutar.

Mas como nonsense, ou menossense, aqui é escuro e desço infinitos lances segurando nos braços um bebê. Que trabalho de câmeras!, ora vejo por meus olhos, que são por vezes os do bebê, então apesar de não fazer intenso uso dos imperativos por mandar apenas em quem não manda em mim, imagine que se alternam chão se aproximando e teto se afastanto, curvas para a direita e esquerda, apesar de sempre antihorário. Um pouco Tim, um pouco Michel, oui.

Quando pára tudo de girar [e não tirarei do pára o agudo por ser meu de direito, já terei que seguir regras impostas aos fumantes – respeito porque cigarro sempre me ensinaram errado, mas gramática fui atento e disciplinado e aplicado e nunca esqueci uma dica, Andrighetti, quebrarei, no entanto e nos apostos, as regras da forma como me convier] estamos numa longa avenida, esse meu bebê e eu, esse neném de quem cuido e que de certa forma sou eu, e se não conversamos, ao menos nos entendemos. Entendemos.

Às vezes não me entendo, estranha ligação portanto, mas assim. Não criei a [i]lógica, nunca foi meu esse job.

Ao final da extensa e reta avenida com apenas uma curva, trinta minutos depois andamos três anos. O bebê some para dentro de mim e adquiro toda sua experiência e sabedoria. Branco.

Branco. Pupila. Química. Softlights. Perceba [imperativo] que nasci fui para a escola cursinho faculdade trabalhei os primeiros trabalhos e chegarei onde estou ou à frente agora, tudo assim sem vírgula ou poucas e poucas palavras. Magia de sonhos, maestria de egocêntricos, egos excêntricos dessa cidade que é tão minha e empresto a todos que mereçam. Você merece. Você não.

Branco pupila química softlights, RitchieeaviagemmaisexpressaNY–Londonquesetemnotícia estilisticamente falando, cá estou a me acostumar à luz, ao lado de uma chefe, atrás de uma mesa defronte a todas as câmeras do mundo, broadcast super-8.

“Você quer uma boa notícia?”
“Quem não quer?”
“A boa notícia é que o velho liquidificador se foi para sempre.”

Melhor impossível. O teleprompter, em tempos que horóscopo me manda jogar fora o peso morto e começar a viver, me diz, diz a mim, estrela com pó na cara, que a minha lua tá na casa do caralho. Essa emprestei faz tempo, senhor gênio.

E por que raios caralho não é verbete reconhecido pelo MS-Word? Politicamente correto? Politicamente correção? Palavrão é imoral, mas não ilegal. Aos que escrevem, o direito a uma correção correta e imparcial, não valendo justificar como esquecimento e o caralho junto a outra caralhada de coisas. Manchei a página de cobrinhas vermelhas agora.

Perdão. Como ainda estivesse sonhando, devaneio e fico todo espiral, pulando do onírico para o estilístico e saindo do foco, o que apesar de tudo chega a ser metalinguagem, estilístico novamente. E me corrijo pelo perdão, afinal nem sagrado nem profano, não há pecados para quem é ateu. DESCULPE.

Bem, se o antigo se foi, conheçam o novo lefiticador [sic]. Não é Kitchen-Aid mas faz sucos como Minute Maid e serve direto do copo ao copo por uma pequena cloaca no fundo da lâmina centrífuga inoxidável removível lavável.

De repente todas as peças se encaixam, e isso vai ser uma maravilha. Grandes benefícios, donas-de-casa, e de repente todas as peças estão soltas e prontas, dispostas a ser limpas. Vamos tirar todos os fios de barba que não te pertenceram nem por um dia de dentro desse quase viscoso acrílico. E de repente, todas as peças estão soltas.

Solto está o aroma de do suco saindo pela cloaquinha direto para o copo americano, suco de banana, mexerica e maçã, temperado com granola.

As peças estão soltas, e na hora de remontar o quebra-cabeça podemos propositalmente esquecer de algumas delas, remontar e funcionar ainda melhor do que antes. Seria isso se livrar do peso morto?

Projeto em todos aqueles com pelos [rá!] minha ira e quase desilusão, projeto seu pé atrás, minha amiga que tanto sabe da vida minha, os cabelos longos se forem pretos, o barro na sola dos sapatos, a lama, e ataco tudo ao pote depois de moer pela e soltar pela cloaca inoxidável, lavável ainda por cima. O sonho é meu e aqui impero.

Aqui as coisas são como deveriam ser.

Abro uma revista enquanto beberico licor de limão, e a chamada: “receitas de suco e vida, nada mais justo e salutar”, uma foto de nossa amiga que os recebeu em casa.

Yes, it’s gonna blend and make a tasteful, marvelous, remarkable juice out of us.

Ora, se não somos nós o sabor disso tudo! E porque aos doentes, líquidos. São mais fáceis de engolir e digerir.

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Irresistível colocar mais sobre alguém que vejo e que ao mesmo tempo sou eu, como o bebê, está aqui.

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terça-feira, 14 de julho de 2009

FINNEGANS, SUICIDA

Uma vontade forte de sair, mas para dentro de algum lugar. Rua fria dois casacos, e o vento seco e o céu dessaturado por completo. Não havia uma pequena nuance de azul ou vermelho sequer. Isso era a parte boa.

Desejo de entrar num pub, cidade cheia de bares, um pub irlandês escuro e vazio, com cheiro de cerveja derramada e seca no balcão. Respaldar-se no encosto de uma poltrona velha de couro marrom, mas não rasgada. Envelhecida. Envelhecido era como se sentia, ou queria. Cidade sem alternativas. Tédio.

O teto sustentado por colunas grossas de madeira entalhada que no encontro com o alto das paredes segurava também a expressão de rostos fortes e quadrados, nem bravos nem condescendentes, apenas espectadores daquela [triste?] condição. Olhavam todos para baixo, onde os pobres pagãos faziam o que queriam. Guardavam-nos do dia, da noite, do tempo, só não os guardava do pensamento.

O mogno escuro do balcão. As escritas de canivete no mogno escuro do balcão. Corações flechas estrelas nomes.

Mal. Esperava que uma, apenas uma pessoa entrasse em contato, e isso o faria feliz por algum tempo de forma inexplicável. Não conversariam sobre nada, de fato, mas também não faltaria assunto. O telefone tocou mas não era, nem de longe, alguém com quem teria prazer em falar. Palavras engatinhariam desde a prega vocal e se arrastariam todo o caminho até a ponta da língua, num esforço sem precedentes, e então saltariam pálidas, afônicas. Não atendeu.

O seu nome e o dela. Qual era?

Qual era o fascínio? Ela era alguém especial, mas não sua! Era o alguém especial de outra pessoa. E o trabalho... pela manhã recapitulou e enumerou seus afazeres em vão, pois a chegada da tarde só trouxe mais vazio, nem sono! E ela não o via como gostaria.

E se entrasse lá, era lá que queria estar. Sabia onde era, mas a lembrança, o pensamento. Teria força para agüentar, fingir que nada acontecera ali antes? Impossível, estavam lá os nomes, as flechas... e viriam à tona outras e outras e o único bom pensamento não era assim tão bom, era mal de verdade, faria mal de verdade, ainda bem que não era verdade. Tinha medo da verdade, e da verdade os rostos não poderiam proteger seu corpo. Mas só pensava naquele ambiente escuro e naquela poltrona. Não tinha lareira, mas gostava de imaginar que sim, o cheiro da madeira... e os estalos! O fogo é mágico. Madeira e escuro, sombras dançantes.

Mas não tinha lareira, não iria! O pulso que não chegava a doer. Certeza que não poderia apertar mais, e nenhum tom de vermelho. Sono. Quente e frio, muito frio. Entre a parede e a morte. Não, a morte seria um presente, e isso não fazia parte do trato!

Mas Finnegans é Finnegans, o Inexorável.

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No clima postagem casada, mais sobre suicídio aqui, outra dos PORNODOGS.

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segunda-feira, 13 de julho de 2009

FANGOTTINI E O ESPAÇO

Da última vez que isso aconteceu, uma semana de braço e ombro doendo.

Jogar boliche em plena madrugada, quem diria! Mas dessa última vez era apático, sedentário, sedento por noites que terminavam em meio de dias. Calcei os sapatos bicolores, roubados, e fui deslizando pela rua de madeira.

“Como deslizam bem os sapatos”.

Chegando ao guichê, os trocamos pelos patins de boliche. Aos novatos, patinetes. O patins mais reluzente era de um gato preto, meu próprio gato preto, Fangottini. Mais reluzente porque era profissional; em vez de rodas, uma lâmina cortante metálica traçava curvas bezier em sua pista de gelo.

Eu, na minha, não chamava atenção a não ser pelas gigantes bolas que escolhi para o jogo. No entanto agora corro, e com a prorrogação promocional no programa de milhas meu fôlego e força aumentaram exponencialmente! Nada disso, entretanto, tirava da maioria a atenção no gato. Não sou gato.

Fangottini era e movia-se como um profissional, que gato! Jamais se viam as quatro patas tocar ao mesmo tempo o solo, direita, esquerda, direita... como um cavalo a galope, mas de lado como todo gato excêntrico que se preza. Arremessava suas duas pequenas bolas com o rabo, com a agressividade serena de um bicho castrado.

“Que gato!”, diziam por ali. Fiorella, bela siamesa com sei lá o quê, dizia “que gato!” sem ser ouvida, mas observada.

Fangottini era e movia-se como um profissional, que gato!, e ao final dessa tarde era profissional e campeão. Largou da pista blasé, agarrou pela cintura Fiorella e graças a tudo que fizeram mais tarde ganharam vários pares de sapato, presentes de casamento dados pelas janelas de edifícios vizinhos. Acendiam, gritavam, arremessavam, partiam. Gritaram a comemoração por horas a fio, pareciam agressivos um ao outro, mas entre quatro paredes ou em cima do telhado cada casal faz o que bem entender.

A única grande preocupação era quantos filhotes viriam, precisavam de seu espaço. No melhor dos mundos, criariam os pequenos no MySpace dos Borderlinerz e fariam de lá sua casa, mas imagine qual não foi a frustração de Fangottini ao saber que a banda havia acabado.

Sentiu-se com as bolas na mão.

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Dormi pouco, sonhei menos ainda, mal escrevi.
Me avise se mau escrever mal.

No outro blog, uma letra/poema também sobre sonhos hoje aqui, e os extintos Borderlinerz aqui.

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domingo, 12 de julho de 2009

A INTRIGA QUE NOS LEVOU POLLY

E o Senado? E essa história de esconderem as pastas de processos lá no alto? Um poço às avessas, cordas de sisal para trazer de minúsculas infinitas portinhas os documentos a que se pretende dar vista.

Pretende.

Se não tem um milhão de portinholas, são três. Acesso público inegável. E negável.

No entanto não afeiçoa o sonhador a desistência, portanto em busca de falcatruas eis se não um milhão de oportunidades, três. Abre-te, sésamo, e sairão cobras e lagartos de onde for. Vocês, investigadores criminais forenses, não teriam tantos sacos para recolher e preservar evidências. No caso do Senado, provas. Fora elas, não devemos preservar ninguém.

O sisal me queima as palmas com o peso do que trás. Atrás ou abaixo de uma tampa preta e nenhum pó, três pares de pastas idênticas, na verdade uma pasta azul clarinho e um envelope pardo, três desse par. Em todos, o mesmo conteúdo – acusações graves e fundamentadas com provas fotográficas aparentemente irrefutáveis, mas carimbadas por alguém de muita tarimba que justificou “esse material pode ou não ser fruto de manipulação, precisamos defender a estatura da casa que só cairá com fotos italianas”.

Concluí “quanto mais alta, maior as paredes”.

Que pista! Entrei num táxi amarelo limão, cor de ameixa, dizendo antes mesmo de colocar o pé direito para dentro “siga meus pensamentos! Pé em deus e fé na tábua.” Estamos no meio de uma trama fedorenta, tanto quanto o pior Burguess, A Última Missão, sem comilanças.

“A parede mais alta que tenho conhecimento, há de ser aqui”. O motorista me entregou uma nota de 45 e disse “fique com o troco”, ao que retruquei “mas toda corrida em Brasília custa 50”, e ele, sem corar, ficou me devendo 5.

Belo e lustroso, ilustríssimo apartamento.

Aqui no cerrado, quando se ouve um ronco assim é de alguém que sofre com a secura dos ares. Ou um pug. Entrei pela porta e saí pela janela, somente para ver as coisas sob outro ponto de vista. Flutuei por ali somente o tempo necessário para saborear um frappé de coco. Quando entrei de volta, já havia concluído [o frappé, pois o mistério ainda era de todo turvo a meus olhos. Limpei os óculos para ficar mais claro].

Bem, mas se esse ronco vem da cama com travesseiros e edredom de plumas de ganso, só pode ser o pug. Seres humanos não se interessam muito por gansos, na média. E os cães, esses são os melhores amigos do homem.

Mas não é ser amigo, é ser humano.

Agarro o pug chauvinista e o faço refém até que seu dono, juiz pontudo, chegue em casa para questioná-lo que história de fotos italianas é essa. Peço à cozinheira que me prepare na chapa um pão francês com manteiga. Há lugares nos quais se chama pão francês de cacetinho. Quando vou pra algum deles, levo pães de forma para não me exaurir.

Na França, somente pão. Pain [au chocolat?].

Chega o pontudo, e sem dar-se conta do motivo de minha presença e sem ainda perceber que estou com o pug para ameaçá-lo, me acusa com razão de comer seu último pão. “Meu cacetinho!”, diz.

Panaca, entregou-se. Agora que já sei de onde é, ou pelo menos uma lista dos locais de onde possa ser, atiro-lhe com cuidado o pug, pois segura o pote de manteiga, e corro em direção ao ponto de ônibus mais bonito de que se tem notícia.

Aqui já é São Paulo e está frio, sinto-me em casa. Mas o que aconteceu? Cadê a relva que recobria todo esse ponto? Agora é tanto não o mais belo que é quase somente ponto, perdendo o de ônibus. A cidade grande nos engole e a beleza à qual não estamos mais acostumados.

Como em qualquer trabalho profissional de investigação, fico por ali em estado de vigília. A qualquer momento, movimento, a solução. Vejo o sinal do McDonald’s do outro lado da avenida e sinto fome, mas há uma lista de impedimentos:

- estou na espreita;
- o restaurante tem muita fila;
- a comida não é nada saudável, me faz passar mal; e
- começa a chover granizo.

Cai granizo do céu como se fosse granito do tipo mais violento. Corre para o abrigo do ponto um show de vizinha que não poderia nunca ser minha, pois podem até ser amigos, mas no edifício onde moro é impossível algum deles ser humano. Loira, camiseta branca molhada e só, saída há três meses de um filme erótico, softporn. Alta como a parede! Só vejo até pouco acima de seu queixo, os lábios oblíquos dizem “precisamos embarcar”.

Por quanto a fiquei olhando, a rua, não, a avenida se encheu com toda a violência daquele granizo e resolveu ir embora, dando lugar a um oceano tão frio quanto só os pólos poderiam suportar. Entendi o capitão dizer algo em russo como действий переместился в Румынию, после чего в стране произошёл, que interpretei “apressem-se”.

Foi o que fizemos, fomos à cabine e tomamos banho com os gansos. Apesar de nenhum deles ser humano, sabiam o que é ser amigo. E têm um ótimo senso de distância! Disseram que estávamos a 133 milhas da rota original, e nosso navio não tinha vapor suficiente para chegar ao ponto do ouro. A não ser que fumássemos muitos charutos.

Os piratas do gelo estavam próximos de ficar com todo o ouro.

Se de Brasília vim parar no Ártico, é melhor que fume esses cubanos e não perca a viagem. Estou na cola dessa pista há muito tempo. Fomos os dois, a loira e eu, para o american bar do navio russo e começamos a fumar.

Porém perdemos quando ela, como um Cohen, perguntou que tipo de espelunca não teria amendoins no balcão, e cedeu então a seu próprio Feffer interior, dizendo que jamais os comeria, também.

Por mais que tentasse, a partir daquela noite Polly nunca mais seria a mesma.

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sábado, 11 de julho de 2009

CHOQUE!

Sabe, tive um sonho louco do qual você participava, e por isso resolvi contá-lo, mesmo que por alto.

Começou com um ensandecido e desenfreado [ab]uso de entorpecentes em uma casa que era meio a sua, meio a minha. Nós dois morávamos lá, mas não parecia ser de nenhum de nós objetivamente. Mas em todo o tempo você não estava lá.

Saí, saimos alguns e estávamos ébrios, loucos que somos, éramos, e mais - potencializados, potencialmente perigosos. Encarnados na ultra-violence. A rua era a sua, as ruas sempre são minhas, sou das ruas. Ao lado vendiam vinhos, uma enoteca. Entrei como na Häagen-Dazs, a provar de todos os rótulos. O senhor a quem pertencia o estabelecimento logo notou meu interesse por jogar-me ainda mais solto nos braços de Bacco, e me repreendeu. Fiquei violento e destruí parte de tudo. Saí.

Voltei pra tal casa, ainda sem você.

Ouvi um barulho na suposta área de serviço, e fui verificar com outras pessoas não reconhecidas. Havia um homem enfurecido caçando algo entre diversos objetos. Todo "protetor", bravo perguntei o que ele fazia por lá. Ele fazia "riddles" em vez de responder. Senti a ameaça do incerto, e parei de afrontá-lo. Ele do alto do quarto andar, ou quinto, não sei, deu um simples passo em direção ao telhado vizinho - o da enoteca. De lá, disse "seu tolo, e depois de tudo nem desculpas pediu". Ele, o senhor, o dono. Satisfação. Pegou o objeto com único interesse em mostrar como era perder algo injustamente. Senhor justo. E o que pegou nem vinha ao caso, apenas me dava conta de que era seu.

Tive que responder para ele, e agora teria que responder para você. Me pegou de jeito.

Fui só de cueca fazer a barba para não ser reconhecido, e aí você surgiu, o que me causou certo constrangimento. Pedi desculpas por estar semi-nu, e me dei conta que você estava de camiseta, calcinha e meia. Foi o que você mesma disse, tentando me tranquilizar: "calma, eu também estou só de calcinha, e a gente é amigo, não tem problema, acontece ué, também não sabia que ia te encontrar". Pedi que você se virasse para que eu fosse até minhas roupas e as colocasse sem mais constrangimento. Fui.

Logo em seguida você se respaldava no sofá. Sentei perto, no chão, como muitas vezes fizemos e conversamos. Você também já havia vestido algo mais próprio, e ainda de meias - uma azul e outra vermelha [porque hoje na vida real saí de casa sem querer com os tênis diferentes]. Sentia frio e pedia pra que eu deitasse a cabeça sobre seus pés para esquentá-los. Pouco depois, demos um abraço e aparentemente precisei partir.

Uma fuga. Quantas vezes fugimos até chegar?

Na rua andávamos meu irmão, DrooDroo e eu. Skate na mão, longboard. Meu irmão perguntou: "longboard é esporte radical?" E assim saiu na contramão no skate, por entre os veículos. Caminhávamos todos os três sempre pela rua, nada de calçada. Um gol preto tentou desviar do meu irmão, que fez de propósito ao ir de encontro a ele. Desviou com sucesso do skatista, mas bateu em um automóvel estacionado, de leve. Saiu puto, punhos em riste. Corri de volta, ia me jogar, tentar matá-lo e salvar. Mas o motorista voltou correndo pra dentro do carro e sacou uma pistola. Corremos como nunca e entramos num shopping. Perdi o João de vista e ouvi tiros. O franco-atirador me avistou e veio à minha caça, enquanto minha cabeça se dividia entre procurar o melhor caminho e refletir que o senhor da enoteca havia tentado me alertar.

De repente, de repente, as pessoas assustadas e o ambiente de lojas deram lugar a um insalubre motel. Sim, estava dentro de um quarto de motel quando bateram à porta e sem aguardar resposta a tombaram. Percebi uma outra porta, saí. Era uma ligação interna entre apartamentos distintos do motel, daquelas que casais adeptos do swing se utilizam para ser mais discretos na troca.

Eram portas sem fim, e passei por diversas, uma a uma, reparando nos mais diversos tipos e preferências sexuais. Casais tradicionais, sádicos, masoquistas, apenas mulheres... de tudo, e tudo muito rápido. Era uma cor estranha, tudo meio escuro, meio verde, meio irreversível.

No último aposento era tudo vermelho e branco, muito mais claro. Um tipo peep-show com diversas garotas em apresentação para público considerável. Compadeceram da minha situação e tentavam me esconder, sempre elas. Me acolheram, mas não poderiam interromper o show. Fiquei me esgueirando por trás delas, de pé. Lembrei das dicas de camuflagem que o site do Rambo dava, e resolvi que deitado seria mais difícil o atirador me reconhecer. De fato ele ficou um bom tempo olhando para o palco até se dar conta que eu estava sob a sobra da cortina que caía sobre o chão.

Levantei-me e saí correndo, dançarinas em algazarra atrasam o assassino. Fugi por uma escadaria de incêndio, dessas quadradas, cercadas por concreto esverdeado. O alarme gritou e os springlers choraram. Descia com furor.

Térreo. Abri a porta, portões bloqueados. Tensão nos fios ao alto de altos muros, uma bateria de altíssima amperagem, fagulhas... prótons saltitantes. Tentaram arrombar o portão para que fugisse. Nada. Pé, mão, coxa ombro cabeça muro, belicoso muro. Choque.

E agora que você chegou até aqui já se deu conta de que ao dizer que contaria a história toda "por alto", não passava do mais puro sarcasmo.

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BALEIA

Patagônia, só e uma garrafa de Syrah. Geleira grave, azul e imensa, sem eco nem ruídos. O rótulo de trás diz que tem paladar fácil, não se precisa ser iniciado para engolir fácil, é “o vinho mais suave de todos os whiskies que já provou” [?]. WTF. Me ponho a beber, por quê não, afinal lia não para concordar, mas para passar tempo naquela posição antiespacial e atemporal.

Não me ouço há horas. Não há dias. Não me ouça à noite.

Uma hora, duas três um mês e quinze, anos. Rá! Que surpresa e que Dalí do gelo aquilo tudo se mover como um transformer à minha volta, meu pequeno círculo irregular se evidencia, tudo se racha e despenca, ou é meu spot que se evidencia e lança-se ao alto como olho de mordor, como se me chamasse Eiffel ou obelisco aos que sempre acreditarei separatistas.

E não é que Syrah vai bem e muito com ares patagônicos!

“Não gosto quando conferem gravidade a xingamentos acrescentando ‘patagônica’” foi a primeira que me ouvi.

Aparecem desesperados e desprovidos de sentido uma mãe e um empresário de estacionamento, necessitados de algo. “Hidratante pra quê?”, e olho pela janela do automóvel em movimento e que ninguém dirige para avistar uma baleia em corpo de cação. Respira como eu, diferente. Estamos desesperados, ela e eu, muito mais que os outros dois. Ela e eu sabemos de algo que só pertence a nós, e de tão absurdo ninguém nota nenhum desespero anormal em nossas feições.

Corremos por farmácias e hospitais, clínicas a fim de conseguir algum bálsamo que a mantenha viva até que consigamos colocá-la em água. Estamos, afinal, em São Paulo, São Paulo, e apesar da chuva é uma baleia, cuidados especiais e não uma água pluvial de cidade grande.

Chegamos a uma Onofre, Rebouças com Pedroso, e o empresário [“por que raios se precisa de gravata para isso”] mostra a baleinha ao atendente, que retruca, “isto é um tubarão”, ecoado por outra que diz categórica “é um cação”. Pobre dos dois que não vêem que ali nossa baleia só faz sofrer, não consegue dar suas rabadas imponentes, cantos subaquáticos. Seus esguichos.

Está insatisfeita, nossa baleia minha. Sei isso de olhá-la nos olhos, a gente se conecta diferente, a gente se transmite. Temo que esteja desidratada demais, alguém teria um Victoria’s Secret ou algo que o valha? De morango é muito doce para seres marítimos, e não queremos cheirar fritura, mas peixe que somos. Não, não somos, é. Não, ninguém é, mas mar.

Nosso amigo segura a baleia e tenta convencer os farmacêuticos a ajudar-nos, diz à mocinha que passe os dedos pelas fileiras de dentes na boca do animal, ao que ela diz ser realmente uma Baleia dos Dentes Arredondados. Está muito magra e cansada, não deve comer nada há uma hora, duas três um mês e quinze, anos.

Tomo em minhas mãos o que seria o animal, seguro com cuidado para pesá-la na balança, agora ela realmente tem mais a forma de um pequeno tubarão de aquário, e aí seria peixe, que da simpática baleinha de antes. Pobres de nós, minha baleinha, parece que nos esvaímos de nós mesmos, mas ainda eu tenho força física e se você partir vai me deixar só o corpo, os corpos, o seu e o meu, porque o que quer que carregue dentro deste também me sairá de pronto.

Foi encostar seu ventre no piso da balança e seu olhar me avisou que partiria, quase avisou que já partira. Parti de mim, parte de mim.

Quanto pesa a morte? Não ousei o visor.

Sou aparte.

Sendo assim, caminhar. Quem não gosta, boa pessoa não é.

Ando vagabundo, meditabundo, um mais que outro e sempre os dois.

Elevadores ao norte, não há botões para mim mas entro. Escovado, amarelado e quente. Em vez de subir, gira e apita ao parar. Empurro a porta e saio de um microondas em copa de firma. Não é a minha mas tenho uma assistente dando entrevista a centenas de jornalistas fúteis.

Sou Cusack. Pelo pulso: “perdoem, não sabe o que fala, é seu primeiro dia e está sob efeito de medicamentos”. Aplausos.

Muitos vidros e coloridos, modernidade passada e kitsch, cool. Uma bela prostituta entrega um aquário, minha baleinha!

Abraço por trás alguém. Primeiro pela frente, e apenas de camiseta mais curta que branca. Sou obrigado a lhe segurar os seios em ato nadassexual, mas nada disso; fica indissociável. Seios fartos e macios como silicone não havia de ser, mas era. Agora sim, abraço sentado e por trás. Passam e olham, normal se não fosse estranho.

Me precipitei, a culpa foi minha. Precipitei meus olhos de nuvem. “Precipitou-se, sim, anta patagônica, e a culpa é toda sua”.

Falei ou pensei? Como ela sabia? Que importa... e olhando agora, ela era muito mais prostituta que bela, talvez apenas prostituta. Obrigado por nada.

E assim, corte seco, barranco íngreme de grama cortada e úmida. Casa simples. Deitados com os pés para o lado alto, olhar ao céu, à casa no alto, imponente. Estrelas e uma tatuada do pretérito bem ao lado.

Pai?

Vão jogar da casa grande um bouquet, e será para a irmã diferente como se fosse querida. Não há erro, pega-o, entrega-o e observa.

Qual o quê! Tacaram na minha cara, e de cabeça para baixo me defendi, entregaram, entreguei, pequeno e feio bouquet de braço de festa colegial norte-americana, um convite póstumo todo destacável e personalizado que de fato a fez sorrir. “Viu!”.

E todo o muro de arrimo era uma gigante tela com meu irmão dentro, Bart em forma de Ralph.

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