quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ASSASSÍNIO EM CASA DE ÁRVORE

Ao nem tão longe vejo o garçom carregar carne de cavalo e um cálice de vinho rosè. Exclamo, “Ah!”, mais de orgulho que de alegria, estou muito consciente! Por que? Ora, o garçom na verdade não carregava, ele trazia. Se não havia ninguém mais na mesa, trazia para mim. E sou uma das pessoas que mais me conhece, a ponto de saber que de um não gosto e de outro nem provaria. Ébrio convicto, também não compactuo com cálices, apenas garrafa ou plurais. Conclusão: posso me fartar de ambos, sou consciente. Poderia comer até cachorro.

Poderia comer você.

Não há mais ninguém no grande salão, e por isso ele parece e fica cada vez menor frente a meus pensamentos. Só pra você entender, é tudo branco, menos as coisas. Estas são de madeira média rústica demolida entalhada de rebuscados toscos, adornos e encostos e toalhas e o demais é um verde que só pode chamar veludo, não cotelê. O resto, que não é nada, é branco.

Refexão: de 13, meu número preferido agora é zero. Que de mim caiu Tony não há dúvida, mas se zero é preto ou branco, disso há. Bem, quanto a Tony talvez também haja.

Agora o mais legal de tudo é o milagroso som que sai de um Sparks. Não disse antes, mas tem um general todo sessentinha, elétrico nas suas dedilhadas, cara de torre úmida de castelo, um tanto curvado. Se talvez fosse sargento, mas o que importa é a eletricidade, não mudaria em nada seu verde. A eletricidade são estrelas. Você pode não concordar, mas ninguém exigiu concordância.

Nada! Nada que você possa pegar, mas não dá pra chamar essa imensidão de nada. Parece também que tudo passou por um overlay cheio de Min/Max. Clichê maior não pode existir. E como passei a vida em busca do não-linear, mais do que aqueles quatro anos de corredores, já digo que do crème clichê e sorvete de pastiche podemos provar mais tarde. Fora desse restaurante, no entanto.

Então brado algo como “só, só porque não é digno celebrar à própria ruína, celebro, só, a minha. Entendeu? Celebro-te, mas sem tigo [sic]”. E o [sic] pode ter sido um soluço cor de rosa, não sei, mas esse [sic] me deu um tic.

Os tic’s são cortes, e estou no trabalho. No, não: num. Afinal, pode sim ficar lá para sempre, contanto que nunca chegue perto de se tornar o que precisa fingir todo dia.

Estou nesse trabalho onde em vez de caneta tenho guitarra na mão. Faço com ela o que faço melhor, mas com pressa de urgência, espanco seu corpo como merece, como se completa e deleita. E como grita! Até que dada hora grito.

Meus piores medos podem ser as causas das minhas atitudes posteriores, na verdade da condição posterior. Estou num hospital, todo inchado do cotovelo às pontas dos dedos, “é fratura múltipla, sua mão ficará meio desestruturada, dobrável e dolorida para sempre, como uma bicicleta dessas, sabe?”. Sei.

Tenho licença para ir embora, permitido ir para casa. Claro, hoje ela não ficaria em outro lugar que não uma árvore, não teria menos nem mais que setenta metros quadrados, e certamente uma escada.

Mas até aqui me encontram, e apesar de não ser justo a cadela velha vem se esfregar na minha perna. Tenta lamber minha mão, grito de dor, vejo a mão dobrada. Filha da puta, vai lamber berinjela. Puta, por default, também não vem no dicionário do filho da puta do Word. E daí ainda tem filho da puta que acha que tudo bem e nunca será web-based.

Muita gente passa, muita gente pergunta, não me lembro de responder nada melhor que “quando digo ‘ai’ é porque a dor está insuportável”. Algo como “meu braço está doendo onde o tigre está mordendo”. Isso é do melhor de todos, quando Bartolomeu é TomTom. Dou resposta a todos, a mesma, seja ogro, gentil, bela, fera, se fosse um congo ou um berimbau seria o mesmo, a mesma indiferença nada sutil.

Continuo a rotina, quero que saiam dessa maldita casa de madeira, ansioso, balanço as pernas e bato o pé com freqüência indescritível por gráficos, balanço até derrubar uma bandeja que ficava no degrau de baixo. Quebro todos os copos, na verdade taças, e na verdade hoje chamarei de cálices.

A casa é minha, deixo os cacos, olho pra eles sem lamentar, continuo ansioso, batendo os pés e com dor na mão dobrada, sentado na escada de madeira, sentados mais dois, um rapaz que teima em tirar de mim a diferença entre Camel e Lucky Strike, que teima em saber as similaridades com Marlboro, que me insiste tanto que me enerva. Respondo "it's toasted" querendo dizer "you're toasted", mas não me sinto aguardando uma jogada de sorte, nenhuma mulher cairá em meu colo no meio do deserto, sem lucky strike por agora. A outra me enerva, só ri, nem sorri.

Uma mulher bem bonita entra na casa, vejo ali do alto da escada, balanço ainda mais as pernas, a risonha vê uma nova bandeja tremer, ri, diz que mais cacos virão, esses cálices cacos virarão, CALE-SE.

A bela mulher diz "saia, essa casa é minha".

"O sonho é meu".

"A casa é minha, saia agora pois não quero gente assim em minha torre".

Entra um cachorro e mija num canto. Ladra. Ladra para mim, não para a ladra. Ladra baixinho, ao lado da ladra.

"Pois se gosta de filmes, seu bosta, pense nos clássicos trash japoneses. Pense em pastiche, sr. Quentim, te enfio uma faca pela orelha e arranco seu cérebro, um pedaço, e frito. Sangrará como um esguicho enquanto frito com pitadas de Lecter, comerei cachorro afinal, afinal isso é um sonho e é meu, e se é meu, é meu o direito de fazer disso um pesadelo. Se veio para tirar de mim o sonho, é isso que levará".

Suor. The sun rises 'cause you're not sleeping.

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