sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DECA PITAÇÕES

Se você lê um blog, certamente sabe o que é um hotel. Muito provavelmente já esteve hospedado em um, aliás. Hotéis me rememoram um tempo inexistente, de um Chelsea nunca dormido, de uma hospedagem tensa tanto quanto despreocupada, descompromisso essencial.

Em dias como os atuais, parte de tudo que preciso é descompromisso, afinal compromisso é palavra de ordem daquilo que já em perspectiva me incomodava, imagine com a famigerada tangibilização [argh e não ARG] compartilhada [argh, argh, treze vezes argh]. E a vida, hein, que loucura, que paradoxo de palavras e conceitos, compromisso absoluto e descompromisso extremo vivendo dentro do mesmo corpo, franzino corpo de poucos quilos, pequena morada de contradição que é o sal da vida.

Pois bem, cabe ainda um como gosto de estatísticas à la jornalismo esportivo da Rede Globo, e por isso comecei assim. É como “ele é o artilheiro do Sinop contra Emelec por jogos da Sulamericana disputados em campo neutro à tarde para cumprir tabela com público abaixo de cinco mil pessoas e renda insuficiente para pagar a conta de luz dos holofortes [sic]”. Será que 100% das pessoas que lêem um blog sabe o que é um hotel? Sem Gallup, arrisco que sim.

Nariz de cera incompreensível [?] mas não incoerente, aquele clima de piada interna lançado, identifique e desgoste ou não, vamos aos fatos.

Aos sonhos, quero dizer.

O clima. E esse nada tem a ver com meteorologia. Esse tem apenas um órgão solitário mas bem solícito e solicitado. Bem popular e não erudito, e com isso quero dizer cíclico, portanto repetitivo, e cujo ciclo simples é também curto e tanto quanto. Soturno e paranóico, espiralado para o centro.

A câmera. Diretores de Filme. O Diabo é diretor de filme. Somos de um tempo em que o Diabo é Diretor de Filme. Streep mostrou que o Diabo veste Prada segundo Weisberger, mas nem todo Diabo que assim se chama é Diretor de Filme. Sou e somos desse tempo, mas tenho mente e alma saudosos de um tempo imemorável e tão pretérito que nunca passado, que é romântico a ponto de chamar de Diretor de Filme gente que de tanto que entrou pra história nem parece mais gente. Sem nomes porque nesse nosso mundinho pertinente à constelação do Pequeno Príncipe tudo é clichê. E não pense que não considerei o fato de o Diabo pertencer a e memorar esse tempo passado e romântico de fato e muito mais que eu, o Diabo tem a idade do homem, e eu tenho a idade de um menino.

Matemática na notação: um parêntesis dentro do meu próprio colchete: o Diabo pertencer a um passado romântico – dicotomia?

A câmera. Primeira e não-pessoa alternando-se numa steadycam presa a um travelling movimentado por uma grua, muito fluida e livre. Entramos e saímos dessa primeira pessoa – que é a última a morrer – pelo fundo da cabeça e saímos pelos olhos. Dá pra entender que alterno entre personagem e câmera com a facilidade e a velocidade do pós-modernismo digital. Importante: fluida, muito fluida, e pra fugir do clichê do Diretor de Filme socialzinho, “fiz uma câmera muito inovadora, trêmula, desconfortável, para que o espectador se sinta dentro da cena, para que sinta a tensão”. Ah!, que inovador, quase uma cena de escadaria, o senhor tem ascendência russa? Sem entrar no mérito “hoje há mais interatores que espectadores”.

quando (chegar a esse nível de distanciamento da história) {
_root.gotoAndPlay(“sonho”);
}

Hotel graças ao órgão soturno. Uns primeiros momentos movimentados, lobby cheio, american bar de saias altas, pernas esguias apoiadas sobre scarpins auto-luminescentes. Subo [seria sobe se aqui fosse não-pessoa, mas é primeira] e no elevador acendo um cigarro. A fumaça é densa, quase condensa e sim ascende, inebria de fato e toma rumo por todo o duto com a velocidade de um fóton, vamos junto, parte de nós parte de nós pelas frestas dos respiros cujas grades douradas não impedem o inapalpável, algumas das grades são brancas, substituídas por grotescas peças de nosso tempo e não o rebuscado já agora inexistente de outrora.

À medida que nós, fumaça, tomamos conta do edifício por completo, extinguimos quem nos inala. As almas chegam, uma a uma, à prestação de contas e confessam, “eu traguei, mas sem querer”. É o que todos dizem.

Do edifício não são poupadas nem as paredes, pavimentos, nada. Fica apenas o exoesqueleto tão forte quanto uma carapaça de quitina, queratinada como unhas bem-feitas e compridas, a um deslize de rachar. Faça esse desenho na mente: um edifício apenas com as paredes que separam o que é dentro do que é fora, e um elevador suspenso no tempo, suspense no tempo. O meio de transporte cria uma varanda em todo o seu redor, possibilitando a cena.

Sou parte de uma família e estou dentro da caixa. Mas tudo que buscamos em dias de hoje, ontem e amanhã apesar de sábado, é estar fora-da-caixa. Saio pelo teto, puxo os demais. Um cabelo que pertenceria a uma mulher de cabelos curtos é agora de um homem de cabelos longos, muito bem escovados e queixo forte, pequena foice em riste, num brilho rubro de sangue e translúcido de suor. Começa pelos mais novos pois não suporta as altas freqüências, e numa dança de cadeiras apesar de não haver nenhuma vai arrancando as cabeças, uma a uma, com golpes precisos e luminosos, a sonorização não cede à tendência de colocar um fx “sssshhhuimmmmmm”. Não, é ultrarrealista e visceral, emperra nas vértebras. Sou a última pessoa a deixar tombar o corpo pelas mãos desse Beiçola espanhol que assusta cowboys da velha guarda só de ser lembrado.

O corpo tomba, mas a cabeça voa, somos não de novo. Voa para o alto. Voa para o baixo. Nesse sistema de pequenos mundos em que vivemos é grave o problema que nos assola no que concerne à gravidade da atração dos corpos. Voar para o alto significa afastar-se de um corpo celeste e aos poucos aproximar-se de outro, que imediatamente passa a exercer seu poder de atração e o vôo se transforma em queda livre. Tom Petty. Você está livre, mas está caindo. Free falling. Ah, cara, você vai tombar.

Minha fauna se desenvolve em flora e a cabeça caindo é semente, cria um corpo como raiz ao passo que sente o vento. Ai, mas que tombo, de cara na água de um raso espelho d’água. Morto que era, não dói, mas é vertiginosa a brusca parada após algum tempo de *física* 10m/s². Achata.

Para recompor, nada como uma leitura leve. Sou eu de novo, e não personagem. Leio uma revista de tecnologia, qualquer coisa sobre tecnologia e de repente um ensaio sensual [?]. Mulheres voluptuosas posam com seus gadgets eletrônicos. WTF. Passamos de novo de um tempo romântico, quando mulheres posavam ao lado de motocicletas endiabradas e rabos de peixe, a um quando o fetiche está em mini-telas touch-screen de telefones celulares. A lógica é a mesma, boys and their toys. Te digo, meus brinquedos sabem falar. O de quem não sabe? O de quem, de uma forma ou de outra, ficou para trás.

Mas em meio a essas fotos temos uma mais sacana, duas gêmeas e uma terceira, peles suadas e lábios reluzentes. Close-shot daquele amigo que tatuou-se oito de uma só vez, e assim, meio de costas, vemos seu cabelo úmido também devido ao calor que quase se sente desse ambiente quase insalubre, quase tangível [argh]. Ele desenha caveiras nos corpos das gêmeas. A fotografia e quase monocromática de um roxo latino.

Há de ser a lembrança de um restaurante mexicano.

Recuperado, levanto a cabeça do espelho d’água que só pode ser no pavilhão japonês e cá vem ele, o amigo, correndo por esporte, por isso o cabelo úmido de antes, por isso o ambiente insalubre que é um Saw sobreposto de cor e destituído de horror. Nos vemos, cumprimentamos e corremos juntos, por esporte. Conversa casual, o que estou lendo? O Zoológico de Varsóvia. Tem um curta de uns 13 minutos baseado para você fumar.

Corte seco. Hotel. Temos escadas, temos paredes.

Entro no que deve ser nosso apartamento. Temo as escadas, temo as paredes. É uma bagunça digna de Nova Orleans. Livros, inumeráveis livros espalhados pelo todo que é imenso e é nosso. Começo a arrumar e não encontro nada que deixe esquecer das cabeças daqueles que se foram, Dieter.

Árdua e incômoda tarefa essa de arrumar a casa, e o pó, e o que incomoda, mas aqui o time-lapse ajuuuuda que é uma maravilha. Fecha essa matraca e pára [já disse que mantenho alguns por charme, problema meu] com esse joguete, não somos peças pra manipular acerca de seus melindres, cretino ardiloso. Latorraca.

A fita diminui o ritmo, voltamos ao ritmo da vida real, seja isso possível ou não, e está tudo reluzente dentro do exoesqueleto recuperado, a idade de suas mães, e por último coloco O Zoológico de Varsóvia em seu devido lugar. É a chave que abre o templo nesse mausoléu de riquezas pronto para te receber, vida após vida que está sempre e para sempre apenas por vir.

Essa história, ao final, se ainda fumasse me daria vontade para dez cigarros. No entanto, afinal, essa é a vantagem de parar de fumar, não? Posso fumar quanto cigarros quiser, muito embora não onde bem entender.

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Uma velha letra nova também, leitura de um minuto e 15 segundos


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