segunda-feira, 7 de novembro de 2011

JE M’APPELLE JEAN-CLAUDE

“É preciso encontrar a forma perfeita para não deformar a fôrma que a personagem principal – e única – precisa ter. É precisamente a fórmula de um sucesso ou fracasso”. Assim falou o ego excêntrico do egocêntrico autor. Era preciso encontrar um ator.

Todos pareciam ouvir com atenção as delicadezas da rude forma de falar. Bem, as delicadezas estavam lá para quem as quisesse escutar; no entanto, pelos olhares, talvez apenas a forma de falar estivesse pela maioria sendo apreendida. Poucos pareciam de fato aprender algo do arrogante, mas frutífero discurso. Não obstante, haviam aqueles que pareciam compreender.

Forma e conteúdo: imprescindíveis, mas difíceis de conciliar. Eu mesmo havia pensado em uma forma incrível para descrever um sonho, este que ainda me faltava. Pois bem, o tive e deixei escorrer pelos cílios. Cá estou, sem forma nem conteúdo, contando a história de ego excêntrico entediado.
“Essa peça não é sobre minha pessoa, apesar de versar e prosear sobre mim. Trata da humanidade, que precisa ser representada no indivíduo a fim de extrair do particular, o todo”.

Aqueles que eram dispensáveis foram dispensados sem demora. Cá estamos sob o teto reformado de uma antiga casa restaurada, mas não remodelada. A casa decerto me foi dada por uma fatalidade. Sou grato por ela ter aterrissado antes da fatal idade me ter acometido. Cacófato? Sim ou não. Me torno o próprio autor, e todas as pessoas saem de cena, a não ser o canhoto e o destro.

Curioso o que noto mentalmente: o canhoto tem destrezas confiáveis, enquanto no destro não se pode confiar direito. Não obstante, falo com ambos.

“Quem por fatalidade sentar na primeira fila, é porque quer de perto ver a verdade, de que cor é a saudade, não será indiferente se o ator indecente não desempenhar decentemente o papel do descrente que quer acreditar. Não, nisso ninguém poderá”.

O canhoto toma notas, o destro as destrói. Falo como se fosse um disco preparado para nunca parar. Os olhos das fechaduras de um cômodo me observam sem parar. Voyeur eu, voyeur você. Projeção. O maior sádico é aquele que quer apanhar? Não consigo diferenciar o que falo do que penso, apesar de serem evidentemente duas coisas distintas. O fato falado não sobrepõe o fato pensado, ambos não substituem o fato vivido, é preciso precisão com o fato encenado. Em cena, tudo será decifrado!

Articulo sobre as opções de quem poderiam ser os atores ideais para a performance nada usual. Tenho certeza de que estou dormindo, e penso que se estivesse acordado e todas as coisas precisassem fazer sentido, e se todas as ambições do mundo pudessem ser sonhadas com um mínimo de chance de serem realizadas, acordado sonharia de olhos abertos ou vendados que Adrien Brody era o verdadeiro e perfeito nariz para o papel. Ahn?! Rá!

Mas como sei que estou sonhando, sei que as coisas não precisam necessariamente fazer algum grave sentido coerente aparente e consequente. Por isso, em vez de falar do pianista, olho bem na íris de uma nariguda maçaneta e percebo que ela guarda um quarto onde nunca entrei, mas onde certamente existe um cofre de cuja combinação nada sei, e cuja chave jamais avistei, e cujo conteúdo jamais sonhei. A cor da verdade é verde, a textura é madeira. O animal é coruja. O olho é de botão. Ah, maçaneta, você com esse nariz torto pra esquerda e essa cara ranzinza, só falta o chapéu pra ser um guarda real da Guarda Real. Será que o que guarda é real?

Não presto atenção em nada do que não me dizem, e me vem a frase à cabeça: Retroceder, nunca; render-se, jamais!

Imediatamente me vem a certeza de que é ele quem deve fazer o papel, afinal estou sonhando e nada disso precisa fazer sentido. A cena que me faz convencer os produtores é dele dançando no palco do programa de auditório junto à Gretchen, com uma camiseta pra dentro de uma calça jeans semi-bag, desbotada bem 80’s na cândida, plateia em polvorosa. Sua falta de noção e a surrealidade da fagulha de ideia o fazem ideal para uma improvável escolha. Esse monólogo já tem dono, e sou eu. Mas a personagem será interpretada por alguém de muita coragem e pouco bom senso: Jean-Claude Van Damme.

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