sábado, 6 de março de 2010

SONHO, LOGO DESISTO

“A verdade é que parei de sonhar”. “É verdade que parei de sonhar”. Nenhuma das duas é a sentença correta para começar esse texto. A primeira tem muito de justificativa, mas em se tratando de um diálogo comigo mesmo a cobrança pode ser esquecida – me permito alguns momentos de ser pouco exigente comigo mesmo. A segunda tem muito de rumores. Um diz “parou de sonhar”. Dois diz “mentira!”. Três me questiona, e lá vou eu assumir que “sim, parei de sonhar”. Vamos lembrar que mora em mim um rebelde independente, fico feliz ao dizer que ninguém me lê e ninguém me cobra e ninguém me lembra, então nada disso vale, no entanto gerou devaneio suficiente para preencher o espaço de um parágrafo sem dizer praticamente absolutamente inconscientemente contraditoriamente demasiadamente nada. Tudo coisa da minha mente, que a mim só me fala a verdade – se acreditasse nisso piamente, seria a primeira prova de que em um caso eventual, ela mente. Eventualmente. Se mente, brotam paradoxos de mim mesmo, sementes das discórdia entre Daniel e Fernando, cada um em seu ombro, um destro e outro sinistro.

Bom, isso posto, os fatos: passei a dormir numa nuvem, abraçado por essa névoa que não me deixa deitar, e sim cair livremente pelo período de tempo que dure uma noite. Esse período cresceu, é excelente ver que muito menos vezes abri os olhos pra sempre às 2h da manhã. É excelente dar-se conta de que muito menos dias terminaram próximos às manhãs seguintes por motivos que me escapam ao controle. Bom, passei a dormir nessa nuvem, a mesma daqui do alto de onde escrevo hoje, um sábado véspera de segunda. É bom, passei a dormir nessa nuvem e pelas manhãs o inevitável: meus sonhos oníricos chovem como uma tempestade de verão, e o calor dos sonhos da vida acordada faz com que evaporem os pensamentos na mesma velocidade que caíram, tão quente estava o chão duro da realidade de cada dia. E então quem mora em São Paulo entende a sensação subseqüente – com trema, foda-se [maldito Word, tira a cobrinha vermelha debaixo dos palavrões, caralho – outra!] – do cheiro quente de asfalto e poeira molhados adentrando as narinas, expandindo primeiro os músculos do abdômen, depois afastando os músculos intercostais e as costelas, e por fim enchendo e expandindo os pulmões.

Imagine-se em uma aula de yoga. Em meio às técnicas respiratórias, os pranayamas. Imagine que tipo de prana seria retido dessa poeira e asfalto... não acredito que fosse muito energizante.

Mas nesse caso são meus sonhos que chovem da nuvem pela manhã, e evaporam com tamanha velocidade, aquecidos pelos sonhos da realidade. Leia você que interessante a dualidade: quanto mais sonhos na vida real, menos sonhos oníricos. Em vez de aburdos, tenho acordado com brilhantes idéias sobre como trocar os vidros de uma janela basculante emperrada no alto de um quarto andar sem acesso externo. Isso sim é um absurdo.

Só pra registrar a poesia que se esconde dentre tantas explicações, me repetirei, me permito.

De uns tempos pra cá, passei a dormir em uma nuvem. É muito vantajoso, muito confortável e me trouxe melhores, excelentes noite de sono como não sabia existir. O problema é que dormir bem me tira a lembrança dos sonhos, acho que durmo pesado demais. Não acordo mais 13 vezes em uma noite, não faço anotações, e se sonho, não lembro. Na verdade, tenho sonhado tanto acordado que ao pisar fora da nuvem tudo que sonhei chove, é m’Eu onírico que chora, que chove e não molha, é a temperatura do que sonho acordado aquecendo e evaporando tudo que sonhei de importante, é um vapor estranho que me enche as narinas e me esvazia os devaneios. Fico muito lúcido e consciente, a ponto de não conseguir assimilar apenas aquilo que eu mesmo desejar.

São evidentes indícios da nossa pós-modernidade.

Qual o quê! Sonhei e lembrei! Esqueçam a riqueza de detalhes, atenham-se às simbologias. Sonhos são frustrações, mesmo que passageiras. Todo sonho é uma frustração e uma realização em potencial, adoro os paradoxos. A verdade é que sonhar acordado não é nada mal. O mal seriam hojes cujos ontens não tivessem amanhã.

Estou em uma dessas imensas lojas de decoração cheias de ambientes vagabundamente perfeitos. Converso com alguém que não vejo, eu mesmo. Sou a câmera e o foco. Me falo sobre a vida olhando para mim mesmo e me vendo bem de frente. Célebre, mostro meu sucesso representado pela riqueza de cada ambiente que reflete meu jeito de ser, de viver. Percebo que não é uma loja, é minha casa. Percebo que é uma entrevista. Sento na minha poltrona horrível, mas muito confortável e relaxante, daquelas que seeeee meeexeeeemmm eeee maaassaaageeeiiiaaaaammmm seeeeuuu coooooorpooo. Cafoooooooona. Faço uma brincadeira e chamo a empregada, que ao colocar o nariz para fora da cozinha de um apartamento decorado, me ouve dizer “essa é a Berenice, vou mandá-la de férias para o Pantanal”.

Pra quê!

A preta retinta bate a porta com seu nariz já pra dentro, com tempo de em português apenas dizer “não vou” antes de berrar uma missa, ou melhor, um culto africano em altíssimo volume, claramente chateada e muitíssimo nervosa com a possibilidade de ir ao Pantanal, como se fosse lá terra [ou água?] palco de seus piores e mais íntimo traumas, como as tentativas frustradas de andar de bicicleta no alagadiço quintal de casa ou a prima que não conheceu pois foi mordida por um jacaré e morreu antes que ela mesmo nascesse, mas de malária. A mordida mesmo apenas lhe arrancou um pé, que nem mesmo pode ser substituído por um de galinha, considerando que tinha apenas 6 anos quando partiu dessa para uma pior.

A preta retinha traumas como esses e outros dentro de si, e a minha brincadeira de babaca celebridade rendeu algumas risadas aos espectadores, mas a fez explodir em sons altos e nervoso de primeira qualidade, soava como Simpatia para o Demônio, prazer em conhecê-la. Começou a quebrar copos e taças de sorvete sem nenhuma intenção de parecer acidente, e seu filho pequeno começava a recolher os cacos para fazer cerol quando percebeu que o chão tremia.

As câmeras foram desligadas e voltei minha consciência a mim mesmo. É a segunda noite consecutiva que temos terremotos aqui na nuvem. O chão tremia, e confesso que apesar de não ter matado minha curiosidade de saber como é essa sensação, ao menos me deixou desconfortável. Não consigo ainda, no entanto, conceber qual será a real sensação de uma cidade, um pais inteiro tremer ao mesmo tempo. Tenho dificuldade em entender fenômenos cujas proporções não possam ser vistas a olho nu.

O chão tremeu, um John apareceu, corremos para o espaço mais aberto que havia por perto e deitamos para não cair. Te juro, era como se nunca tivesse posto a bunda pra fora da cafona poltrona massageadora. Tremi, tremi, tremi involuntariamente, tremi de um tanto que nem esperei passar pra levantar, e sem medo de cair, levantei.

Conclusão? Não, não vou tirar férias, não adianta insistir!

E como disse, o que vale são as simbologias, meu amigo.

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Para celebrar o retorno, nada melhor que postar algo relacionado no outro blog também

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